Isso mesmo, eu disse VER-DA-DE. Já sei. Nunca ouviram falar disso, não é? Normal. Vocês são muito novos. Mas saibam que ainda tem gente que se lembra dela, têm até saudades. Pois é. Com muito pesar venho cumprir o dever de comunicar que a verdade… acabou. Foi assim, de uma hora pra outra. A gente nem percebeu direito. Quando viu, bum! Da mesma forma como ocorreu com a TV preto-e-branco, com a máquina de escrever e com a vergonha na cara. Tem coisa que acaba, garotos, vão se acostumando. Com a verdade aconteceu a mesma coisa. Acabou.
E quem primeiro ocupou o lugar dela foi a tal de realidade virtual – as mentirinhas produzidas no computador. Depois, houve uma sofisticação: as mentirinhas da computação gráfica começaram a ser distribuídas vigorosamente pelas redes sociais. Pouca gente confirmava a veracidade do que lia ou assistia. Simplesmente acreditava. Vamos combinar: acreditar é muito mais cômodo do que duvidar. Duvidar dá um trabalho danado.
Aí, no lugar da verdade, apareceram as fake news, as falsas notícias. Conheço gente que acha graça quando a gente fala de fake news. Não acreditam que, atualmente, TUDO o que a gente lê precisa de checagem. Até o que a gente lê nos livros recém-lançados. Siiiiiim! Ora, se muitos deles são produzidos a partir da “verdade” que circula na internet, então TUDO é digno de desconfiança, queridos. O colunista João Pereira Coutinho, da Folha de S.Paulo, contou que o filho de um amigo dele não acreditou que tudo agora precisa ser confirmado. “Verdade que nem a Wikipedia é de confiança?”
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Bola de neve, não: bola de mentira
Há pessoas, até bem intencionadas, que replicam imediatamente tudo o que recebem no Facebook, no Whatsapp, no Instagram. Porque acreditam que a internet é um meio. Como se a internet fosse a Folha de S.Paulo, a CBN, o G-1 ou a revista Época. Ao passarem a notícia pra frente, dizem: “É verdade, sim. Eu li na internet”. Ora, a internet é apenas um ESPAÇO onde qualquer pessoa põe o que quiser – mentiras, falsidades, calúnias, difamações, canalhices, fake news, o diabo. Pessoas recebem via internet uma mensagem, acreditam nela e, sem checar, tocam pra frente. Não confirmam de onde veio ou se a fonte é confiável. Aí, quem recebe faz a mesma coisa. E quem recebe de quem recebeu faz o mesmo. E a bola de mentira vai crescendo.
Como se produz a pós-verdade
O paraibano Silvio Meira, um dos mais respeitados especialistas do mundo digital, professor da UFPE, da FGV, formado no ITA e pesquisador de Harvard e Kent, fez um cálculo enlouquecedor. Se alguém está na fila do banco e recebe uma mensagem dizendo que está acontecendo tal coisa e aquela pessoa queria acreditar que aquilo realmente está acontecendo, republica no Facebook, no Twitter ou no Whatsapp. Ora, se cada pessoa tiver uns 50 grupos de Whatsapp, cada um com 100 pessoas, com apenas um clique ela alcança 5 mil pessoas. Se cada uma reenviar para 1 mil, em questão de minutos – minutos, meninos, minutos! – temos 5 milhões de pessoas que receberam determinada informação. Se apenas 20% acreditarem no que leram, temos 1 milhão de pessoas acreditando que aquela coisa aconteceu. Tudo numa velocidade estonteante. Velocidade que torna impossível, meus queridos, verificar se a tal coisa aconteceu mesmo ou se trata de mais um fake news. Virou pós-verdade. Como diria a Ritinha da novela: aí lascou.
O “Pizzagate”
Na eleição passada a gente viu por aqui o estrago causado por um fake posto a circular sobre o fim do Bolsa Família. Foi um inferno pra acreditarem no desmentido. Até hoje rende. Já ficou provado que a Rússia interferiu diretamente na eleição de Donald Trump pondo pra funcionar uma usina de fake news. O Facebook está entregando ao Congresso norte-americano 3 mil anúncios políticos pagos por russos para divulgação três meses antes e três meses depois da eleição do ano passado. Ao mesmo tempo, a extrema-direita norte-americana divulgou, durante a campanha, que uma pizzaria servia de fachada para uma rede de prostituição infantil, liderada por Hillary Clinton. E quando jornalões como o New York Times mostraram que a notícia era inteiramente falsa, uma montanha de gente passou a achar que o NYT estava mesmo era escondendo a verdade, já que a notícia se retroalimentava num conjunto de sites inter-relacionados. A situação chegou a tal ponto que um imbecil disparou vários tiros de AR-15 contra a pizzaria.
Uma dica, meninos: se vocês ficaram interessados pelo tema, façam contato que eu conto mais. Mas acho que não o farão. Acho difícil até que tenham chegado até aqui na leitura. Até porque a verdade acabou mesmo, né? Muito mais cômodo é ficar com os fake news.
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