Nesta última semana, tive a oportunidade de me encontrar com gestores da saúde pública do Ceará, convidado que fui para fazer palestra na abertura do Congresso do Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Ceará.
O encontro do Cosems-CE realizou-se na cidade do Crato, região do Cariri, no sul cearense.
O Crato, para quem não sabe, foi onde nasceu o Padre Cícero Romão Batista, o santo popular nordestino, e sempre foi um epicentro de efervescência política na nossa região.
É a terra onde, por exemplo, militou Bárbara de Alencar, avó do escritor cearense José de Alencar, uma comerciante e revolucionária brasileira que foi a primeira presa política do Brasil. Bárbara de Alencar é considerada uma heroína da Revolução Pernambucana, movimento que teve importante influência de ideais iluministas, e da Confederação do Equador, movimento revolucionário, de caráter republicano e separatista, que foi principal reação contra a tendência monarquista e a política centralizadora do governo de Dom Pedro I.
Com tema voltado para a atenção primária e vigilância, o congresso provocava a reflexão sobre como definir caminhos para a integração nos territórios, sinalizando para os desafios que o nosso SUS tem pela frente, a partir da resultante de sobrecarga que o nosso Sistema Único de Saúde passa a ter no pós-pandemia, nas suas diversas perspectivas.
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Tenho dito com recorrência, e com ênfase cada vez maior, que o SUS é, hoje, o mais democrático dos serviços públicos do país e precisa ser ainda mais fortalecido porque atende mais de 80% da nossa população, com uma extensa folha de serviços de excelência que foram confirmados, recentemente, no período da pandemia do covid-19.
Tenho defendido o fortalecimento do SUS, com ampliação do seu financiamento, por entender que o nosso sistema, gestado nas conferências nacionais de saúde, desde os idos anos 1980, tem sido o único esteio de atendimento às demandas da nossa população e que, se não consegue maior eficiência na universalidade e integralidade da sua assistência é por insofismável falta de financiamento, onde um governo central desobriga-se, progressivamente, das suas responsabilidades financeiras, gerenciais e até técnico-científicas (pela primeira vez tivemos um Ministério da Saúde que negou a ciência), deixando uma sobrecarga de atribuições para estados e municípios.
Os números estão aí para comprovar. Hoje, o percentual de gastos do governo brasileiro com a saúde da população é mais baixo do que em países desenvolvidos e até mesmo do que países da América Latina.
O investimento brasileiro em saúde é equivalente apenas a 3,8% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo revela o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os dados de 2019 revelam, para nossa tristeza, que o governo brasileiro destina à saúde volume de recursos menor do que gastam as famílias brasileiras.
O consumo final de bens e serviços de saúde alcançou, em 2019, R$ 711,4 bilhões. Desse total, as despesas das famílias brasileiras somaram R$ 427,8 bilhões (5,8% do PIB), e as do governo, R$ 283,6 bilhões (3,8%). Em 2010, a participação das famílias correspondia a 4,4%, ante 3,6% do governo.
Estamos muito abaixo do que preconiza a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) que sugere investimentos dos governos em saúde em valores, no mínimo, equivalentes a pelo menos 6% do PIB.
Na média, em países selecionados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os governos gastam o equivalente a 6,5% do PIB e as famílias desembolsam só 2,3% do PIB.
Os governos de Alemanha, França e Reino Unido, por exemplo, investem 9,9%, 9,3% e 8,0% do PIB, respectivamente. Já o que vemos no Brasil é desalentador, principalmente levando em conta que vamos ter que resgatar um passivo de assistência que ficou acumulado por conta da pandemia, quando postergamos procedimentos eletivos e crônicos para darmos prioridade ao atendimento do covid.
Assim, vejo com muita urgência a necessidade de alertar o povo brasileiro com vistas às eleições deste ano: escolham candidatos que se comprometem com o fortalecimento e maior financiamento do SUS e que estejam dispostos a combater a PEC do teto de gastos que só penaliza a população que mais depende dos serviços públicos, notadamente na área da saúde.
Tive a oportunidade de dizer durante a conferência no Crato que se não fosse o funcionamento do SUS, com a expertise dos nossos servidores públicos, com a excelência das nossas ações de imunização com vacinas, o drama da perda de vidas por causa da pandemia teria sido ainda mais grave.
Por isso, temos que aproveitar o apoio e a credibilidade que o SUS voltou a ter durante a pandemia do covid para revitalizarmos e renovar os seus primados que estão ancorados na nossa Constituição. Saúde é direito do cidadão e dever ao Estado brasileiro e precisamos garantir a ampliação do sistema e a sua maior eficiência. Precisamos combater o discurso liberal que vem tentando descapitalizar o sistema, com a crescente transferência dos custos para estados e municípios.
É urgente o nosso engajamento em defesa do SUS. Espero que a aura insurreita inspirada em antepassados que habitaram o nosso Cariri possa, enfim, nos inspirar na luta em defesa do SUS!!!
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