Dentre os tantos danos da pandemia, chamam a atenção a escalada de prejuízos na educação brasileira. A nossa gigantesca desigualdade social, cujo aprofundamento foi identificado em relatório recente da Organização das Nações Unidas (ONU), ficará ainda maior no futuro. Houve uma clara piora no já assimétrico acesso à educação de qualidade entre estudantes de escolas públicas e privadas, ou mesmo entre escolas públicas de cidades com realidades sociais e econômicas distintas.
O controle da disseminação da covid-19 por meio do isolamento social tem se consagrado como a mais eficiente medida de controle não farmacológico da pandemia. As mais respeitadas publicações científicas e os organismos internacionais de saúde orientam essa medida de forma ampla e irrestrita, independentemente dos cenários sociais e econômicos das nações mundiais. Isso tem incluído, obviamente dependendo dos cenários epidemiológicos específicos e temporários, as suspensões da interação física no ambiente escolar.
A despeito de uma menor letalidade ou mesmo de uma menor frequência de complicações mais graves da doença entre crianças e jovens, não se exime o ambiente escolar de medidas restritivas, especialmente em cenários de maior risco epidemiológico. Além de as crianças poderem contaminar ou serem contaminadas e assim serem potenciais propagadoras da doença, a escola envolve também o trabalho de um número significativo de profissionais da educação em idade adulta, alguns deles portadores de comorbidades.
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A intensidade e a duração do contato entre estudantes e profissionais e o próprio número de pessoas dentro de uma escola têm orientado os devidos protocolos sanitários restritivos. Vão desde a suspensão completa das aulas até medidas de restrição de aglomerações e de contato social dentro da escola, dependendo de cada cenário.
A situação tem imposto rápidas adaptações aos processos de ensino e aprendizagem na educação básica. Em geral, as escolas particulares têm sido bem céleres em desenvolver sofisticadas plataformas de educação à distância e, cada vez mais, aprimoram a interação entre estudantes e professores.
Mesmo em cidades em que as aulas têm, progressivamente, voltado ao normal, muitas escolas do ciclo da educação básica mantêm a opção de um modelo misto, que permite o direito ao aluno de ir à aula ou acompanhá-la de casa, em tempo real. O impacto dessas mudanças na perspectiva do aluno da rede particular depende de eficientes plataformas de aula online, do fácil acesso do estudante à internet em casa e do apoio e supervisão de pais ou cuidadores no ambiente doméstico.
Entretanto, a realidade do estudante da educação básica na escola pública no Brasil é bem diferente. Tem dependido, fundamentalmente, do compromisso político, da criatividade administrativa e das situações econômicas e fiscais de municípios e estados brasileiros. Tem havido uma enorme diversidade de prioridade dada ao assunto e das abordagens pedagógicas, mais ou menos eficientes, sendo implantadas em nosso gigantesco território. Não deveria ser assim!
Na educação básica, como em muitas outras responsabilidades públicas, deveria haver integração entre a União e as outras unidades federativas e, principalmente, uma coordenação nacional por parte do Ministério da Educação garantindo orientações e protocolos comuns, além do apoio material e tecnológico para garantir um padrão mínimo de qualidade do ensino, independentemente da localização, do tamanho populacional ou da realidade econômica do município ou estado.
Tem havido uma completa ausência de posicionamento e liderança do governo central na condução desse processo. A realidade comum a muitos estudantes da rede pública é de ausência ou dificuldade de acesso à internet em casa ou mesmo na escola, da inexistência de acesso a sistemas online de ensino que funcionem em sua escola, de pouca supervisão e apoio domiciliar para acompanhamento das aulas à distância e, inclusive e não menos importante, da entrega da alimentação escolar para garantir o suporte calórico diário mínimo aos estudantes.
Faltou presença no fornecimento de orientações sanitárias mínimas e comuns às escolas públicas de todo o Brasil, na promoção de campanhas educativas para alunos e trabalhadores da educação, na disponibilização de orientação pedagógica, tecnologias, softwares e equipamentos para prover um modelo nacional comum de aulas online com garantias de acesso e de qualidade mínima, independente da região do país. E, o mais grave: faltaram garantias para um programa de segurança alimentar apropriado em substituição à merenda escolar para crianças e jovens da escola pública.
Muitos municípios e estados tiveram que, mais uma vez, assumir o protagonismo, na ausência da necessária coordenação e liderança da autoridade nacional, a exemplo do que ocorreu na condução das próprias ações de saúde de enfrentamento à pandemia.
Nesse caso, municípios com situação econômica e fiscal mais precária ou com deficiências técnicas e tecnológicas de outras naturezas não conseguiram garantir aulas online ou mesmo o suprimento alimentar básico para crianças em idade escolar. Nesses locais faltam aula, conteúdo pedagógico e até mesmo comida para os estudantes.
Já não bastasse a realidade resultante do fosso existente entre a qualidade da educação privada e pública no Brasil, a falta dessa coordenação e do apoio federais aprofunda severamente, agora, as desigualdades dentro do próprio sistema público.
Tivéssemos uma liderança nacional afirmativa em relação à pandemia seria possível promover a educação e uma política de isolamento que evitasse mortes e, ao mesmo tempo, garantisse uma presença do governo federal no sentido de mitigar o sofrimento social. Essa ausência e apatia do governo central tem sido supressora de direitos e promotora de ignorância. O que temos agora, em pleno funcionamento, é uma fábrica para ampliar ainda mais as nossas cruéis desigualdades no futuro.
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