A decisão da Petrobras de vender seus ativos e se retirar inteiramente das operações que não sejam o pré-sal é uma estratégia lesiva aos interesses dos estados, mas principalmente, à soberania energética do país e à saúde da nossa maior empresa estatal.
Concentrar a atuação da Petrobras apenas na área do pré-sal, leia-se Rio de Janeiro e São Paulo, vai submeter a vasta maioria do território nacional ao risco permanente de crises agudas de abastecimento. Imaginem o que significa deixar o Norte, o Nordeste, as localidades de interior — exatamente as regiões onde as operações são menos rentáveis — à mercê da lógica e do interesse privado e da volatilidade dos preços internacionais.
Não foi para isso que o Brasil lutou tanto e investiu tantos recursos — dinheiro de todo o povo — para conquistar a autossuficiência em petróleo. O esforço de gerações foi para garantir independência. Foi para que o país não se visse na condição de refém da montanha russa do mercado internacional, sobre a qual não temos controle.
Alguns argumentarão que o recolhimento ao pré-sal é uma decisão corporativa da empresa, que deve satisfações a seus acionistas. Nunca é demais lembrar que o acionista de uma estatal faz um investimento conservador, baseado na solidez e segurança da empresa, não na vertigem especulativa dos lucros estratosféricos.
Além disso, o acionista majoritário da Petrobras é o povo brasileiro e é o povo, portanto, que deve ser o principal beneficiário da atividade da empresa. A missão legal da Petrobras é abastecer o país, maximizando os ganhos para a sociedade e minimizando os custos. Para mudar isso, tem que se mudar a lei.
Mas, ainda que admitíssemos “pureza corporativa” em uma estatal, convém lembrar que, também do ponto de vista do modelo de negócios, a estratégia desenhada pelos atuais administradores da Petrobras está errada. A lógica de mercado também desaconselha que se coloque “todos os ovos em uma só cesta”, como diz o ditado. A Petrobras, uma gigante, está sendo tangida para um cercadinho.
Seus atuais gestores querem vê-la restrita à operação offshore, exclusivamente no ambiente de águas profundas e em uma única formação geológica, o pré-sal. E nada é pior para uma petroleira que ficar circunscrita a repertório tão específico.
Uma grande petroleira precisa diversificar. Não pode arriscar a submissão aos humores da natureza, da geopolítica ou do mercado. Em caso de turbulências, ficaria sem alternativas para operar.
A Petrobras, hoje, ainda transita em diversos ambientes operacionais. Atua na Selva, no Sertão, em águas rasas, no xisto betuminoso e poderia estar atuando no gás de folhelho. Está baseada na Amazônia, no Nordeste, no Sudeste e no Sul. Pode perfeitamente continuar a distribuir suas atividades, sem prejuízo da capacidade de concentrar mais investimentos na fatia mais lucrativa, que é o pré-sal.
A opção de excluir todas as demais alternativas, inclusive a transição energética — através dos projetos de energia eólica, solar e biocombustíveis — é extremamente temerária, do ponto de vista operacional.
Além do risco corporativo, essa concentração afasta a empresa de sua missão indutora de desenvolvimento. Um exemplo é o impacto sobre a ciência e a tecnologia, especialmente na pesquisa nas universidades brasileiras. A logística do pré-sal está toda concentrada no Rio de Janeiro e São Paulo. Como ficarão as universidades do Norte e Nordeste sem os investimentos em desenvolvimento e pesquisa realizados pela estatal?
Entregar o que hoje é Petrobras fora do pré-sal inteiramente à iniciativa privada é também lançar na incerteza setores fundamentais da economia — e não só para as economias regionais. Basta citar as refinarias que estão sendo postas à venda. Na Bahia, a Refinaria Landulpho Alves (RLAM) é a base do Polo Petroquímico de Camaçari, para o qual fornece insumos. Em mãos privadas, a RLAM terá a liberdade de priorizar outras linhas de produção que não a nafta, por exemplo. A Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco, tem a missão de produzir diesel para atender à demanda do Nordeste. Na Refinaria de Manaus, há o claro risco de que seja convertida em mero terminal importador. São três exemplos de que nem sempre o que é lucrativo para o investidor privado ou para o acionista minoritário da Petrobras é o melhor para o País.
Sem uma Petrobras nacional, o País perde a capacidade de fazer política de preços voltada para a estabilidade interna, como ocorria nos governos do PT, dando um mínimo de segurança ao setor produtivo, a quem depende do preço do frete e da petroquímica, por exemplo.
É por isso que insisto na obrigatoriedade de autorização legislativa para a venda de ativos da Petrobras e outras estatais. Porque apesar dos descaminhos governamentais iniciados em 2016 — e que cada vez mais se emaranham — ninguém autorizou os gestores de plantão na Petrobras a alterarem os objetivos sociais da empresa.
Nada contra a participação de investidores privados no setor petróleo. Eu mesmo fui coautor técnico da Lei 9478/97, que regulou esta participação. Mas imaginar uma Petrobras restrita ao Rio de Janeiro e São Paulo e o resto do país entregue a monopólios regionais, privados e incontroláveis, é um atentado contra a inteligência estratégica nacional.
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