A liberdade de expressão, este grande fármaco do espírito, não nos foi dada – foi conquistada, de forma sofrida, ao longo dos milênios. Custou à humanidade sacrifícios imensos, sob a forma de torturas, perseguições e mesmo mortes. Aliás, contemple o nosso mundo e perceba que esta luta ainda não acabou.
Daí ser necessária infinita sabedoria para seu manuseio, sob pena de colocarmos a perder muito do que foi conquistado – principalmente em um momento da história no qual novos modelos de comunicação e exposição de ideias começam a se impor.
Vou além: nunca tão necessária a consciência de que meu direito termina onde começa o do meu semelhante – logo, minha liberdade de expressão cessa ao encontrar a dignidade e a própria essência de outros.
Há quem defenda, por exemplo, que debochar da religião alheia é um direito sagrado. Será mesmo? Ao fim e ao cabo, nela está a fé existencial de muitos – que devo, sim, respeitar. Com base nesta mesma – e equivocada – convicção poderíamos negar o holocausto? Propagar mensagens racistas? Discriminar orientações sexuais?
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Temo que a falta de sensibilidade e sabedoria sobre o exercício de direito tão sagrado já esteja começando a feri-lo – com consequências imprevisíveis.
Perceba que já começa a multiplicação, pelo mundo afora, de práticas e mecanismos destinados a extirpar opiniões e mensagens de “conteúdo impróprio”. Mas o que vem a ser um “conteúdo impróprio”, afinal?
É quando descortina-se, no horizonte, uma realidade muito sombria. E tão mais sombria quando percebe-se que a dizer o que pode e o que não pode ser exprimido não são mais apenas governos despóticos ou ditaduras sanguinárias, mas simples funcionários de empresas privadas.
Medite sobre isto: quando a humanidade começa a ter, pela primeira vez na história, ferramentas maravilhosas que permitem imenso acesso à informação e ao conhecimento, depara-se com mecanismos de controle tão difusos quanto desconhecidos e ilegítimos! Quem ganha com isso?
Neste momento – especialmente neste momento – imensa é a responsabilidade do mundo das leis, qual a de definir, com serenidade e sabedoria, o que pode e o que não pode ser. Traçar uma linha de fronteira além da qual não há que a ofensa, o desrespeito à essência dos nossos semelhantes e lamentável desserviço a uma causa tão nobre.
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