O Brasil enfrentou em sua história republicana duas grandes rupturas institucionais: a ditadura civil de Getúlio Vargas (1937 – 1945) e a ditadura militar (1964 – 1985). Em ambas o país foi sacudido por ações autoritárias para as quais não houve recurso de resistência imediata, diante da truculência dos usurpadores do poder. Vargas fez o Estado Novo com anuência do Congresso, que decretou o estado de sítio acreditando na fake news do Plano Cohen, documento fajuto segundo o qual os comunistas se preparam para tomar o poder. Já os militares simplesmente passaram por cima do Congresso depondo o então presidente João Goulart, legitimamente eleito, sob o argumento igualmente fajuto de que ele pretendia implantar uma república sindicalista no país. Simplesmente colocaram as tropas na rua e as cavalgaduras subiram a rampa do Palácio do Planalto, onde os ditadores inauguraram o sistema de ditadura por revezamento de ditadores, que durou 21 anos.
Mas, no momento em que no Brasil e no exterior analistas respeitados advertem para a possibilidade de ruptura institucional a partir dos sinais mais do que claros emitidos por Bolsonaro e seus seguidores – inclusive integrantes do alto empresariado, como ficou claro nas mensagens de whatsapp interceptadas há dez dias – pela primeira vez os brasileiros têm em suas mãos a possibilidade de abortar um golpe através… do voto! É bom reafirmar: nos dois momentos históricos já mencionados o país não teve essa chance, não havia eleições na quais se pudesse derrotar Getúlio ou os generais que fizeram a quartelada de 64.
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Política é a arte do possível, que por isso mesmo às vezes exige concessões e sacrifícios, inclusive abrindo mão de sólidas convicções em nome de um ideal maior. É exatamente essa a situação que o país enfrenta neste momento.
A ninguém escapam as pretensões golpistas de Bolsonaro. Já falou delas dezenas de vezes, direta ou indiretamente. Conquanto tenha acenado na semana passada com a aceitação de uma eventual derrota no pleito de outubro (“A gente está nessa empreitada buscando a reeleição, se esse for o entendimento. Caso contrário, a gente respeita”) – ninguém de bom senso aposta um níquel na palavra nele, useiro e vezeiro em mentir descaradamente (“O Centrão é o que há de pior no Brasil”, disse um dia, até cair nos braços do mesmo Centrão). O Bolsonaro que tanto dispara contra o PT dizendo que o partido quer transformar o Brasil numa Venezuela é, neste momento, quem mais se parece com Hugo Chávez, que deu início à ditadura venezuelana ora sob o comando de Nicolás Maduro. Bolsonaro e Chávez, como apontou Fernando Abrusio em artigo recente, têm origem militar e foram expulsos da instituição por seu personalismo golpista. Ambos usaram a democracia para insuflar a população contra instituições basilares como o Judiciário e o Legislativo. Tal como Bolsonaro vem diariamente fazendo com o STF e outras instituições que dão sustentação ao regime democrático brasileiro.
A ninguém escapa, igualmente, a percepção de que o PT cometeu, sim, diversos erros, tanto de estratégia política como de frouxidão no que se refere ao combate à corrupção enquanto esteve no comando do país. Na área da estratégia um dos erros mais crassos foi, sem dúvida, apostar no apoio à ditadura populista de Nicolás Maduro. No âmbito do combate à corrupção, Lula, embora inocentado ou livre de processos por decurso de prazo, foi, sim, conivente com falcatruas cometidas em seus governos, sobretudo no grande escândalo envolvendo a Petrobras. Ninguém pode afirmar que pôs um centavo no bolso – como igualmente não se pode imputar qualquer desvio dessa ordem à ex-presidente Dilma, deposta com base em outros argumentos, como sua incompetência na área econômica, entre outros. Mas, dentro da Teoria do Domínio do Fato, Lula foi várias vezes denunciado não por se apropriar de dinheiro público, que tal crime não lhe pode ser imputado, mas de ser leniente com a roubalheira que ocorria no seu quintal.
Nada disso, porém, impede que os eleitores equilibrados e os cidadãos de bem usem o próprio Lula como anteparo para impedir uma escalada autoritária na hipótese de vitória de Bolsonaro no pleito de outubro. Porque ruim com ele, muito pior com Bolsonaro.
Vale repetir sem parar, até o dia da eleição:
– Política é a arte do possível, que por isso mesmo às vezes exige concessões e sacrifícios, inclusive abrindo mão de sólidas convicções em nome de um ideal maior. É exatamente essa a situação que o país enfrenta neste momento.
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