Um dos maiores desafios contemporâneos é salvar as democracias, pois elas estão morrendo em virtude da polarização crescente e da percepção pelas pessoas de que não são representadas pelos partidos políticos.
Culpar líderes populistas à direita e à esquerda é o caminho mais fácil. A chegada deles ao poder não é a causa dos abalos democráticos, mas uma das consequências do sistema político-partidário atual. Proliferam partidos às dezenas, logo por que quase 70% da população não confia neles, em nenhum deles, segundo várias pesquisas já realizadas?
A principal explicação está na falta de democracia: nos vários níveis, partidos funcionam de cima para baixo, sem discussão interna antes, durante e depois das eleições.
A tecnologia parece não ter chegado ainda. Faltam listas de discussão, conhecimento da lista de pré-candidatos pelos filiados, chamada geral para decisões. Muitas vezes sequer se conhecem os filiados e as filiadas atuantes nas legendas.
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É por isso que a regra, no Brasil, é que não haja diretórios municipais, mas comissões executivas provisórias que, pelos estatutos dos partidos, podem ser destituídas a qualquer tempo e sem motivação. Pelas normas dos estatutos, pois é óbvio que a liberdade associativa não pode ferir direitos dos associados, consolidada que está no Supremo Tribunal Federal a eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Mas, na prática fratricida e agonística da política cotidiana, humores dos dirigentes estaduais podem levar a mudanças dos mandatários locais a qualquer tempo, não raramente “ajeitando-se” interesses não-republicanos e antidemocráticos. Às vezes até “motivam”: ausência de densidade eleitoral, desrespeito a diretrizes estatutárias. Tudo genérico e indeterminado para dificultar defesas.
Estado de Direito pressupõe governo de leis, não de homens, mas infelizmente ainda temos partidos de homens e mulheres que mandam como querem. Depender dos humores das pessoas poderia se resolver com terapia, mas as coisas são ainda piores.
Como os partidos em nível local não chegam a diretórios, passa a ser natural que a agremiação A ou B seja do deputado ou senador tal, de alguém que sequer tem domicílio eleitoral na cidade e que faz da eleição local apenas um puxadinho para seu projeto em nível estadual ou federal. Nada mais patrimonialista, nada mais ultrajante.
Como as democracias morrem deu título a um best-seller de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, em que mencionam que a inimizade sectária da população se resolve com novas práticas político-partidárias, como primárias abertas, entre outras medidas.
Na República inacabada brasileira, ainda nem conseguimos fazer dos partidos em nível local autônomos. Até quando essa democracia será adiada?
* Procurador da Fazenda Nacional, professor, mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio, doutor em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela UERJ.
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