Nos últimos anos, o Brasil assistiu a uma verdadeira cruzada ideológica, marcada pela ruptura dos padrões básicos da convivência democrática e política. Não me refiro à tão criticada polarização ou ao pluralismo político bem demarcado e acirrado. Afinal, isso é parte do jogo democrático, especialmente quando adversários não se tratam como inimigos. Viver democraticamente é considerar o dissenso e o conflito, mas dentro de um consenso sobre os limites impostos pelos princípios enunciados na Constituição Federal.
A negação das diferenças ideológicas e a interrupção do diálogo republicano mata a própria política. Por isso, a mensagem do presidente Lula na primeira reunião ministerial do ano inaugura a retomada do que podemos chamar de boa política. Ao dizer que “não tem veto ideológico para conversar, não tem assunto proibido se tratando de coisas boas para o povo brasileiro”, Lula restabelece o necessário princípio do pluralismo político nas relações partidárias e institucionais, tão violadas por Bolsonaro.
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Falas como essa ainda incomodam setores e tendências da sociedade brasileira que cultivam um falso moralismo e um puritanismo que só servem para criminalizar a política. Inclusive, são esses mesmos setores que fazem disso um trampolim para alçar o poder e degradar a rotina das instituições que deveriam servir ao exercício democrático. Como disse Lula, precisamos lembrar que “quando a gente vai conversar, a gente não está propondo um casamento, a gente está propondo aprovar uma tese ou fazer uma aliança momentânea em torno de algum assunto que interessa à sociedade brasileira.” Nesse sentido, julgar que todo diálogo entre diferentes coloca em risco as bases ideológicas e programáticas que cada um carrega é um equívoco.
Outra premissa que ofende e agride o bom ambiente republicano é a de que políticos devem ceder à técnica e não deveriam estar à frente das instituições governamentais. O mito do bom gestor gerencialista desprovido de identidade ideológica ainda resiste e representa um risco para a democracia. Negar que técnica e política caminham juntas é ingênuo e fortalece aqueles que, em nome da técnica, exercem o poder para fins pouco republicanos.
Por outro lado, sabemos que as políticas públicas e a garantia de direitos pelo Estado exige grande esforço criativo, conhecimento, competências e habilidades daqueles que operam a estrutura burocrática do Estado, a qual não pode perder sua racionalidade necessária. O risco da PEC 32, também chamada de “Reforma Administrativa”, era justamente o de abrir brechas para o extermínio das condições técnicas que sustentam as necessárias decisões políticas em favor da população. Nesse cenário, não estaria a política a ocupar o lugar da técnica, mas sim o fisiologismo.
Portanto, nada melhor do que a coragem de compreender a importância dessa comunhão entre técnica e política, bem expressa pelo presidente aos seus ministros: “eu não tenho vergonha de dizer que nós vamos montar um governo com gente da política muito competente. Vamos montar um governo com gente técnica muito competente. Eu não faço distinção e não quero criminalizar a política.” Isso nos faz acreditar que a boa política voltou. Para o bem da democracia brasileira.
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