Numa das mais belas passagens do Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles tece um trecho definitivo:
“Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda.”
Boa parte da energia criativa de líderes políticos, filósofos, sociólogos, poetas, psicanalistas, economistas, escritores, juristas, cineastas, foi despendida com o debate sobre os limites que envolvem a liberdade humana. A grande ideia vitoriosa neste início de século XXI é a do império da liberdade, da democracia e da tolerância sobre todas as coisas. Ditaduras existem, na Síria, em Cuba, na Coreia do Norte, na China. A xenofobia e o extremismo crescem na Europa. Mas o vetor predominante no mundo contemporâneo conspira a favor da liberdade.
Em 1977, o grande cineasta sueco Ingmar Bergman realizou um filme marcante, O ovo da serpente. Em clima tenso são descritos o quadro da Alemanha pós-Primeira Guerra Mundial, as consequências do Tratado de Versalhes, a hiperinflação, a humilhação e a autoestima no chão de todo um povo – traços que construíram a incubadora perfeita para o desenvolvimento do “ovo da serpente”, o nazismo.
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A esquerda brasileira carregou até os anos 80 os traços autoritários típicos das inúmeras variações nascidas a partir do marxismo-leninismo. Os ventos democráticos do eurocomunismo custaram a aportar em terras brasileiras. Talvez tenha sido Carlos Nelson Coutinho com seu texto “A democracia como valor universal”, de 1979, que tenha prenunciado uma ruptura de paradigma.
Hoje a esquerda se inseriu na dinâmica da democracia. A percepção de que a liberdade é um princípio permanente, inegociável e universal é hoje amplamente difundida e enraizada. As visões do caráter de classe da democracia residem em partidos políticos radicais, marginais e exóticos e na formulação de uns poucos teóricos ainda prisioneiros da ortodoxia marxista-leninista.
Mas os arroubos autoritários de parcela do PT preocupam. A insistência em denunciar uma suposta grande mídia “golpista”, a permanente intenção de criar “controles sociais” sobre a imprensa, a histriônica campanha contra a revista Veja parecem revelar um autoritarismo adormecido, prestes a agredir aquele que é um dos pilares da democracia – a mais ampla liberdade de imprensa. Somam-se às manobras de intimidação da Procuradoria-Geral da República e do Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de criar um clima de desconfiança e desmoralização das instituições, ambiente julgado necessário para beneficiar os réus do mensalão.
Que a ingenuidade e a passividade não gerem o calor necessário para que “ovos da serpente” germinem no Brasil.
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