Há 47 anos, o dia 08 de março foi oficializado pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Dia Internacional da Mulher, símbolo do reconhecimento da importância das mulheres no mundo, capitaneado pelos movimentos feministas pela luta contra a violência, discriminação e busca pela igualdade de direitos entre os gêneros.
São várias as histórias que antecedem o reconhecimento deste marco específico, sendo uma delas o fato de, em 08 de março de 1857, mais de 100 mulheres terem sido carbonizadas em incêndio ocorrido em uma fábrica têxtil em Nova York, sob suspeita de ato criminoso no local onde se constatava péssimas condições de trabalho, notadamente pela falta de ventilação em razão de as janelas estarem sempre fechadas.
Outro fato histórico relevante ocorreu na Rússia em 1917 quando, em 08 de março, um grande movimento grevista feminino visou a paralisação do setor de tecelagem, sendo tal ação coletiva embrionária e precursora de várias outras mobilizações libertárias.
Na verdade, a homenagem ínsita nesta data está longe de ter um único fato marcante, haja vista decorrer de várias gerações de engajamento político de mulheres para obterem visibilidade e garantia de direitos, também está distante de ser resultado de um reconhecimento voluntário tomado por homens que permanentemente estão no poder.
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Isto porque a adoção de posturas que são capazes de modificar situações arraigadas no contexto social, principalmente quando oferecem uma zona de conforto para aqueles que detêm os poderes constituídos e decisórios tradicionalmente, depende de política. E, nessa arena, a mulher sempre foi recebida como “estranha”, ou seja, sua presença é tida como “anormal” e ameaçadora de espaços.
Vale rememorar o longo trajeto enfrentado pelos movimentos femininos pela participação política das mulheres no Brasil. Um caminho marcado por violência, discriminação, invisibilidade e apagamento de contribuições consideráveis das mulheres, levando todo o arcabouço normativo do início do século XX a serviço da manutenção de uma sociedade estruturalmente patriarcal, elitista e injusta sob a perspectiva não apenas de gênero, mas social.
PublicidadeMerece destacar que, conquanto o voto feminino tenha sido um marco democrático relevante no Brasil, pelo Código Eleitoral de 1932, não se pode desconsiderar o contexto normativo, pois, se por um lado considera como eleitor o cidadão maior de 21 anos, “sem distinção de sexo”, por outro isenta as mulheres e os homens de 60 anos das obrigações e serviços eleitorais – ou seja: tem o alistamento e o voto das mulheres como facultativo.
Tal decisão político normativa é bem sintomática.
O interesse normativo pela “voluntariedade” do voto das mulheres vem explícito pelo Código Civil de 1916, onde a mulher casada era relativamente incapaz – equiparada aos pródigos e aos silvícolas – pelo que cabia ao marido, como chefe da sociedade conjugal, conceder autorização para exercer a tutela, a curatela e “outros múnus públicos”, podendo, neste ponto, ser incluído o voto, pelo que a esposa precisaria de autorização do marido para poder votar.
Em artigo científico, publicado pela Revista de Sociologia e Política, intitulado “Sufrágio universal, mas…só para os homens. O voto feminino no Brasil”, os coautores Fernando Limongi, Juliana de Souza Oliveira e Stefanie Tomé Schmitt, analisam a evolução legislativa dos direitos políticos das mulheres e pontuam que o Código Eleitoral de 1932 deu com uma mão mas tirou com a outra, destacando que o texto legislativo serviu para cristalizar a exclusão, mantendo de forma velada as mulheres afastada da política. (LIMONGI, Fernando; OLIVEIRA, Juliana de Souza; SCHIMITT, Stefanie Tomé. Sufrágio universal, mas… só para homens. O voto feminino no Brasil. In Revista de Sociologia e Política/Scielo. Disponível em: <link> . Acesso em 04 mar 2022).
Destarte, a universalização do voto apenas veio em 1965, com o Código Eleitoral em vigor, instituído pela Lei nº 4.737, de 15/04/1965, atualmente em vigor que exigiu a obrigatoriedade do alistamento eleitoral de forma indistinta para os sexos, retirando a voluntariedade do voto feminino e estabelecendo a capacidade eleitoral passiva. Fatores estes consolidados na Constituição Federal de 1988.
Também merece ser destacado que a elitização da capacidade eleitoral, com a proibição do alistamento dos “mendigos” e dos analfabetos, também repercutia contra a emancipação política das mulheres, haja vista que o acesso à educação e o trabalho remunerado era extremamente restrito para elas, de modo que sempre estariam com falta de algum requisito para alcançar a condição de cidadão.
Tal digressão serve para contextualizar como as mulheres foram mantidas afastadas da política tanto normativamente como socialmente, haja vista que seu lugar natural era o ambiente privado, doméstico, “do lar”.
Atualmente, uma pesquisa divulgada pela ONU – mulheres/PNUD, no projeto ATENEA (2020) informa que o Brasil está em 9º lugar entre os 11 países da América Latina no que se refere a direitos políticos e paridade política entre homens e mulheres e classificado como em 104º lugar em participação política, estimando-se que apenas 13% dos cargos eletivos são ocupados por mulheres.
Esse percentual de representatividade feminina, embora ínfimo, configura um ponto importante de resistência no contexto de ampla violência política focada em manter as mulheres afastadas dos centros de decisões.
Assim, neste cenário de combate às velhas estruturas de poder, o dia 8 de março precisa ser reafirmado e compreendido como data que simboliza a luta das mulheres pelo reconhecimento de seus direitos, notadamente na política, onde ainda há repulsa normalizada à presença delas e onde mais se faz necessário a atuação feminina para se implementar as políticas afirmativas de ajustes às desigualdades entre gêneros.
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