Alternância de poder em 2023 é imprescindível. Imprescindível. A continuar no mando, Bolsonaro deverá acabar de vez com o Brasil do Plano Real, com o Brasil do Bolsa Família, com o Brasil amigo do mundo e mais que tudo com o Brasil da Constituição Federal de 1988. O nome disso é catástrofe.
Contudo, tão imprescindível quanto essa alternância de poder é o acolhimento dos bolsonaristas numa sociedade que volte a ter na fraternidade um valor. Não me refiro aos oportunistas que rodeiam o presidente nos círculos do poder, nem aos radicais que ficam contentes com armas na mão e pratos vazios, assim como a todos aqueles que professam preconceitos como referências morais para a sociedade.
Os bolsonaristas que devem ser acolhidos são a ampla maioria daqueles que lhe deram mais de 50 milhões de votos em 2018 e boa parte dos 30 a 40 milhões de cidadãos que novamente depositarão suas esperanças nele em 2022.
Karl Jaspers, intelectual alemão do século XX, refletiu sobre a culpa que assolava a Alemanha após a II GM. Mais que isso, em seu livro A Questão da Culpa ele dialoga com seus concidadãos sobre a culpa que todos alemães carregavam pelas atrocidades que o regime nazista havia cometido. O diálogo de Jaspers, que na verdade surgiu como uma série de palestras, tinha sobretudo o intento de promover uma superação consciente do que passou e construir novamente um sentimento de fraternidade em seu povo. Já em 2018 conheci esse livro de Jaspers e imaginei que seria importante para o Brasil que viria à frente.
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Como já se tornou clichê, Bolsonaro é o fruto de uma crise, momento em que o velho já morreu mas o novo ainda não conseguiu surgir, parafraseando Antonio Gramsci. A crise mundial, e que também é bem brasileira, é das pessoas que olham para o governo e não veem respostas para suas necessidades e suas expectativas. O grito antielite, antiestablishment, antitudo deseja uma vida melhor.
Vale lembrar de algo bem básico: identificar o problema é uma coisa, outra oferecer uma solução. Para mim, boa parte do voto antielite, antiestablishment, antitudo identifica um problema sério: a sociedade brasileira funciona mal, muito mal, deixa contingentes enormes para trás, é violenta, excludente. O grito daquele que olha para sua família e quer um mundo melhor.
As respostas que não resolvem, contudo, passam por fechar o STF, impor regras religiosas à moral geral, acreditar que armas solucionam alguma coisa, hierarquizar o mundo entre brancos e não brancos, homens adultos e não homens, atacar a imprensa e associações civis, desmontar o Estado, provocar e afastar-se de nações amigas.
2023 exigirá do próximo presidente, provavelmente Lula, encarar dois desafios enormes.
O primeiro é abraçar muitos daqueles que lhe desejam atirar pedras. Ter a grandeza de acolher aquele que grita será mister de alguém que realmente ambiciona fazer aquilo que Bolsonaro não foi capaz nem nunca desejou, criar um Brasil fraterno.
O segundo desafio será admitir e realmente trabalhar para fazer do governo brasileiro uma ferramenta social que distribua renda, que melhore a educação, que proveja saúde de qualidade, que defenda o meio ambiente, que tenha políticas de apoio e emancipação para todas as minorias. Isso só será possível se o diagnóstico admitir a existência de todas as mazelas que nos levaram a esse grito dos desesperados: o estado brasileiro serve aos poderosos, está encastelado no modelo patrimonialista e corporativista que nos são fundantes.
Karl Jaspers falava enquanto seus concidadãos carregavam pedras nos escombros do que foram um dia suas casas, suas escolas e hospitais. De certa forma a missão que um novo presidente precisa enfrentar no Brasil de 2023 será mais difícil. Mantenhamos a esperança.
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