A mais importante organização brasileira do movimento negro deixou claro de que lado está no caso que associa o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, a práticas de assédio moral e sexual. Segundo o colunista Guilherme Amado, do portal Metrópoles, uma das vítimas dele foi a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco.
Guilherme Amado, jornalista de excelente reputação profissional, relatou ter confirmado com 14 pessoas — “entre ministros, assessores do governo e amigos de Anielle Franco” — a prática de assédio sexual contra Anielle. Conforme sua apuração, os abusos envolveram “toque nas pernas da ministra”, “beijos inapropriados” e uso de “expressões chulas, com conteúdo sexual”.
Em documento enviado na madrugada desta sexta-feira (6) ao Congresso em Foco, a Coalizão Negra por Direitos, que congrega centenas de entidades integradas ao movimento por igualdade racial no país, se solidariza com Anielle e as “demais mulheres vítimas de violências de gênero”, sem citar o nome de Silvio Almeida.
Íntegra da nota:
“Nota de solidariedade à ministra Anielle Franco e demais mulheres vítimas
A Coalizão Negra por Direitos, articulação que reúne 294 organizações, coletivos e entidades do movimento negro brasileiro, vem a público manifestar solidariedade e acolhimento à ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e às demais mulheres vítimas de violências de gênero, cujos casos foram recentemente divulgados na imprensa e nas redes sociais.
PublicidadeReafirmamos nossa postura de repúdio absoluto diante de qualquer forma de violência, sobretudo contra as mulheres brasileiras. Esse princípio, para nós, é historicamente inegociável.”
Com um belo currículo acadêmico e mais de 1 milhão de seguidores apenas no Instagram, Silvio Almeida é reconhecido pelo preparo intelectual e pela capacidade oratória e também se tornou uma espécie de influenciador. Nos bastidores do movimento negro, porém, já há algum tempo é visto com reservas por várias lideranças.
Um episódio que marcou as desconfianças de boa parte das lideranças afrobrasileiras em relação ao atual ministro ocorreu após o assassinato de João Alberto Freitas, dentro de um supermercado Carrefour em Porto Alegre, em novembro de 2020. Foi uma morte covarde e totalmente injustificada, cometida dentro do estabelecimento por funcionários a serviço da empresa. A vítima era um homem negro desarmado que nada havia feito de errado.
O fato chocou os políticos, gerou protestos da sociedade e fez a polícia indiciar os envolvidos por homicídio triplamente qualificado — isto é, por motivo torpe, pela ação exagerada e desproporcional e por causar “repugnância social”. Enquanto vozes do movimento negro choravam em público seu luto, Silvio Almeida aceitou assumir a condução do Comitê de Diversidade do Carrefour. A decepção de vários ativistas foi à época mantida distante do olhar público. Agora, reveladas as denúncias de assédio feitas anonimamente por várias mulheres e encampadas pelo Me Too Brasil, uma dessas lideranças disse, em tom de profunda tristeza, a este blog: “A realidade sempre pode nós surpreender um pouco mais”.
Foi o portal UOL, parceiro do Congresso em Foco, o primeiro veículo a associar Silvio a denúncias de assédio. Segundo reportagem de Mateus Araújo, publicada na noite de quarta-feira (4), “o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, comandado por Silvio Almeida, tem sido alvo de denúncias de assédio moral e pedidos de demissão em série desde o início da gestão, em janeiro de 2023”. O repórter relatou que as acusações deram origem, até janeiro deste ano, a dez procedimentos internos para apurar casos de assédio moral. Sete, já arquivados por “ausência de materialidade” e “três ainda estavam em aberto até julho deste ano” (aqui, a matéria completa para assinantes).
Na quinta (5), logo depois de publicada a reportagem de Guilherme Amado, novas acusações vieram à tona. A mais grave delas, ao menos até aqui, veio do colunista Matheus Leitão, da revista Veja. Nas suas palavras:
“Estudantes da Universidade São Judas Tadeu, em São Paulo, ouviram relatos de colegas mulheres assediadas sexualmente pelo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, ao menos entre os anos de 2007 e 2012, segundo apurou a coluna.
O ministro de Lula deu aula na instituição de ensino entre os anos de 2005 e 2019.
Segundo estudantes ouvidos pela coluna, o ministro, responsável por promover e assegurar os direitos humanos no país – incluindo a formulação de políticas e promoção do direito das mulheres –, oferecia notas melhores se as estudantes tivessem encontros com ele.
Os relatos são de tentativa de troca de favores sexuais para que a avaliação das provas fosse alterada para melhor, incluindo alunas que corriam o risco de reprovação nas matérias ensinadas por ele.”
Silvio Almeida, na noite de quinta-feira (5), soltou nota e gravou vídeo para qualificar as acusações como mentirosas e injustas. No primeiro caso, usou o cargo e a estrutura do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania para fazer uma defesa de natureza privada, que o atinge como cidadão, não como ministro. No segundo, colocou-se como vítima de “um grupo” — sem nominá-lo — e afirmou que se tratava de uma ação contra os direitos humanos e a igualdade racial, resultante de “campanha bem orquestrada”. Em seguida, uma nova nota do ministro transformou o Me Too Brasil em alvo, após a entidade, em documento público, dar uma aula (sobretudo a nós, homens) sobre a gravidade do tema em questão.
Declarando-se avalizado pelas vítimas do ministro dos Direitos Humanos para assim proceder, o Me Too confirmou, na nota, as denúncias de assédio sexual contra o ministro e acrescentou:
“Como ocorre frequentemente em casos de violência sexual envolvendo agressores em posições de poder, essas vítimas enfrentaram dificuldades em obter apoio institucional pra a validação de suas denúncias. Diante disso, autorizaram a confirmação do caso para a imprensa.
Vítimas de violência sexual, especialmente quando os agressores são figuras poderosas ou influentes, frequentemente enfrentam obstáculos para obter apoio e ter suas vozes ouvidas. Devido a isso, o Me Too Brasil desempenha um papel crucial ao oferecer suporte incondicional às vítimas, mesmo que isso envolva enfrentar grandes forças e influências associadas ao poder do acusado.”
Tentando contornar a crise, que deixou Brasília em polvorosa desde as últimas horas de ontem, Silvio Almeida teve outro momento pouco feliz. Em nota, integralmente reproduzida pelo Congresso em Foco, desfiou: “Repudio tais acusações com a força do amor e do respeito que tenho pela minha esposa e pela minha amada filha de um ano de idade”. Foi o bastante para a oposição bolsonarista impulsionar suas redes com o argumento de que o próprio acusado assumia ter transformado a pasta dos direitos humanos em “ministério do amor”.
Reivindicando inocência, Silvio oficiou a Controladoria Geral da União (CGU), o Ministério da Justiça e a Procuradoria Geral da República (PGR) para que apurem os fatos. Mas passou por novo constrangimento ao ser chamado pelo Palácio do Planalto para se explicar. Às 23h45, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) divulgou nota que isolou ainda mais o ministro dos Direitos Humanos.
Preservado no cargo pelo presidente Lula (pelo menos até aqui), Silvio foi apresentado claramente na nota como suspeito. A Secom informou que “a Comissão de Ética da Presidência da República decidiu abrir de ofício um procedimento de apuração” e foi além: “O governo federal reconhece a gravidade das denúncias. O caso está sendo tratado com o rigor e a celeridade que situações que envolvem possíveis violências contra as mulheres exigem.”
Protagonista involuntária dessa crise, Anielle mantém-se em silêncio. Nas primeiras horas desta sexta-feira (6), aguardava-se para qualquer momento um encontro entre ela e o presidente Lula.
Bem, creio ter relatado acima os fatos com a objetividade cabível. Minhas linhas derradeiras ficam para minha opinião pessoal. Se Silvio não tomar a iniciativa de renunciar imediatamente para provar sua inocência fora do governo, cabe ao presidente Lula afastá-lo rápido.
Lula pode lançar mão da conduta que o ex-presidente Itamar Franco adotava para esse tipo de situação. Quando um ministro seu se via envolvido em acusações com algum indício de veracidade, Itamar o afastava para que ele se defendesse sem macular o governo e, ao mesmo tempo, sem encampar as denúncias. Ou Lula age assim ou estará traindo o eleitorado feminino, ao qual deve sua eleição em 2022. Sim, amigas e amigos que me deram o prazer da companhia até aqui, porque as pesquisas eleitorais mais confiáveis não deixaram margem para dúvidas: naquele pleito, os homens optaram por o ex-presidente Jair Bolsonaro. Devemos às mulheres a interrupção do período de trevas inaugurado pela ascensão da extrema direita ao poder.
Hesitar ou demorar a tomar atitude é fazer o que a oposição populista da direita autoritária espera: dar combustível para embalar os candidatos do neofascismo nas eleições municipais.
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