A classe trabalhadora brasileira, na forma como a conhecemos, nasceu em 1917 na primeira grande greve, construída como parte da luta por melhores condições de vida e com grande influência anarco-sindicalista de imigrantes italianos, alemães, poloneses e japoneses. Eram à época 50 mil trabalhadores; hoje seriam 1 milhão. Pararam São Paulo e conquistaram direitos e melhores condições de trabalho: jornada de 8 horas, férias, fim do trabalho infantil, proibição do trabalho noturno para as mulheres, aposentadoria, assistência médica e aumento salarial, direitos que prevalecem até nossos dias. Destaque para a imprensa libertária e para a participação das mulheres. Mas, a despeito da dura repressão sofrida, as consequências foram maiores, começando pelos avanços na legislação trabalhista e – o mais importante – o reconhecimento dos sindicatos e a participação cidadã política dos trabalhadores. Nossa primeira central operária, a Confederação Operária Brasileira (COB), atuou entre 1908 e 1909.
São 100 anos desde essa histórica greve. Nesse período, nossa classe trabalhadora viveu mais da metade de sua existência sob ditadura. Na República Velha foi reprimida. Depois da Revolução de 30, sua existência oscilou entre a repressão e a cooptação a partir da política trabalhista de Getúlio Vargas, que governou o Brasil de 1930 a 1946. Durante o Estado Novo (1937-1946), em 1943, foi decretada a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), que unificou toda a legislação trabalhista existente, garantindo direitos básicos como salário-mínimo, jornada de 8 horas, férias e liberdade sindical. Eleito presidente em 1946, Eurico Gaspar Dutra reprimiu o movimento sindical, congelou os salários e colocou na ilegalidade o PCB, cassando os mandatos de seus parlamentares eleitos para a Constituinte.
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Com a redemocratização de 1946 e Getúlio reeleito em 1950, a classe operária voltou ao protagonismo político, tendo inclusive uma opção eleitoral, o PTB, partido criado por Vargas depois de manter o PCB na ilegalidade. Durante o segundo governo Vargas, ressurgiu a CTB (Confederação dos Trabalhadores do Brasil), criada em 1947, e o Pacto de Unidade Intersindical, surgido da grande greve de 300 mil trabalhadores em São Paulo em 1953. Cabe destacar o papel de dois partidos no movimento sindical durante esse período entre 1946 e 1964: o PCB, apesar da ilegalidade e da repressão sofrida pelo anticomunismo, produto da Guerra Fria; e o PTB, partido que receberia o voto de grande parte da classe trabalhadora.
O salário-mínimo e o direito à sindicalização continuaram sendo heresia para a direita brasileira. No campo, a repressão a sindicatos e ligas camponesas era a norma.
Durante o governo democrático de Vargas, as forças conservadoras que o levariam ao suicídio impediram João Goulart – herdeiro do varguismo – assumisse o Ministério do Trabalho e aumentasse o salário-mínimo. Nos anos JK, o Brasil passou por profundas mudanças, consolidando a urbanização e a industrialização, surgindo uma nova classe operária e trabalhadora com a mudança da nossa economia pecuária e agrícola para uma economia industrializada, com pesados investimentos em energia, transporte, indústria, educação e alimentação. O peso dessa nova economia e de sindicatos e seus dirigentes levou à criação em 1962, entre a renúncia de Jânio e o golpe militar de 1964, do Comando Geral dos Trabalhadores, destinado a orientar, dirigir e coordenar o movimento sindical. A CGT teve destacado papel na resistência ao golpe derrotado de 1961 e no apoio às reformas de base do governo Goulart. Foi reprimida e ilegalizada após o golpe de 1964 e só ressurgiria anos depois na fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 1983, e depois de outras centrais sindicais.
Durante a ditadura militar de 1964, a resistência operária e trabalhista se expressou na derrota da Arena nas eleições de 1965, tendo como consequência o AI-2, que colocou fim à eleição para presidente e extinguiu os partidos políticos oriundos da constituição de 1946. A luta operária e sindical não cessou e, em 1968, a ditadura teve de ocupar as fábricas de Osasco e Contagem com tanques e baixar o AI-5, dado o crescimento das lutas estudantis, operária e popular e da resistência armada. Nas eleições de 1974, houve nova derrota da Arena e se iniciou o período de ascensão da luta estudantil, de reconstrução da UNE, das grandes greves operárias da década de 1970, depois a fundação da CUT e a campanha das Diretas até a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral da ditadura.
PublicidadeA Constituinte de 1988 consagrou, no seu artigo 7º, 34 direitos que expressam a garantia constitucional resultado da luta da classe trabalhadora, inscrevendo como direitos trabalhistas as conquistas desses anos de luta de seus sindicatos e centrais. Não há como separar direitos trabalhistas da luta e da liberdade sindical garantida no artigo 8º da Constituição: liberdade de associação, de organização, de administração e de exercício das funções, e liberdade de criar sindicatos independentemente de autorização do Estado.
A importância dos sindicatos na conquista de melhores condições de vida para os trabalhadores é inquestionável, mais ainda na luta pela democracia e pela liberdade. Basta passar os olhos pela história do Brasil para ver a presença da luta operária e da classe trabalhadora. Em cada período histórico, os trabalhadores se organizaram conforme a realidade, ditadura ou democracia, mas jamais deixaram de lutar.
Durante os anos recentes, as forças conservadoras e de direita impuseram mudanças significativas nos direitos trabalhistas e mais ainda na própria liberdade e autonomia sindical. Isso ocorreu, via Congresso Nacional, na reforma trabalhista liderada pelo governo golpista de Michel Temer. A redução de direitos expressou as mudanças drásticas ocorridas não apenas no mundo do trabalho, via revolução tecnológica, como também na desregulamentação e flexibilização, resultado da globalização financeira mundial. Logo depois da reforma trabalhista, o Congresso aprovou uma reforma da Previdência Social e a terceirização, resultando numa mudança radical com a precarização do trabalho, o desmonte dos sindicatos pelo fim do imposto obrigatório sindical e o surgimento de novas profissões e tecnologias – desde a automação até a robotização e agora a Inteligência Artificial.
O objetivo era evidente: tornar flexíveis os direitos trabalhistas, dar maior segurança jurídica para o empregador, ampliar as modalidades de contrato de trabalho, dar prevalência aos acordos coletivos sobre a legislação, garantir a não obrigatoriedade da contribuição sindical, parcelar as férias e flexibilizar a jornada de trabalho. Duas medidas visavam desarmar os sindicatos: o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical sem alternativa de financiamento do sindicato e a prevalência dos acordos coletivos sobre a legislação. Uma agrava a outra, uma vez que sem sindicato os acordos coletivos passam a ser uma negociação entre uma empresa e trabalhadores desorganizados.
A busca desesperada da classe patronal brasileira pela redução dos custos – não pelo aumento da produtividade ou inovação, mas pela redução do custo da mão de obra – aparece em medidas como retirar da jornada de trabalho o tempo de deslocamento, atividade de estudo, higiene, troca de uniforme, alimentação, regulamentação do home office e mudança radical no FGTS (demitido, o funcionário passa a receber somente metade do aviso prévio e indenização do FGTS, podendo movimentar apenas 80% do fundo sem acesso ao seguro-desemprego).
Sete anos após a reforma trabalhista, chegou a hora de retomar a luta por uma radical mudança no papel dos sindicatos na organização da classe trabalhadora frente ao crescimento da pobreza e da precarização, da perda da participação dos salários na renda nacional, da debilidade do mercado interno e da urgente necessidade de uma revolução tecnológica e educacional para aumento da produtividade e inovação.
O desafio que os sindicatos e centrais enfrentam são sua autossobrevivência como instituição frente às mudanças no mundo do trabalho e aos avanços tecnológicos, principalmente sua representatividade e financiamento, num mundo dominado pela internet e redes e pelo surgimento de novas profissões e formas de emprego. A democratização dos sindicatos e de suas decisões é um imperativo para a sua legitimidade e autossustentação.
A defesa dos direitos dos trabalhadores é o fim, mas os sindicatos precisam se renovar e se atualizar. A livre organização sindical e os direitos trabalhistas estão em questão em todo o mundo, a ponto de, em setembro de 2023, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, firmar com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva um documento intitulado “Parceria pelos Direitos das Trabalhadoras e Trabalhadores”, como resposta e condição para a democracia.
A realidade e as consequências da globalização e da financeirização da economia mundial resultaram no desmonte do Estado de Bem-Estar Social, na desindustrialização e na precarização do trabalho com concentração de renda, o que levou ao surgimento da extrema direita e a um aumento da desigualdade mesmo nos países desenvolvidos.
Não é aceitável que a maior revolução tecnológica do século não signifique melhores condições de vida e sim precarização e aumento da pobreza, daí a importância, como em toda nossa história da organização sindical, da atualização do modelo sindical brasileiro. A nova realidade deve respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores e não somente as necessidades das empresas, e fortalecer a negociação coletiva, que deve atingir os servidores públicos e a autonomia e a flexibilidade para as partes (empresas e trabalhadores) definirem as necessidades a partir da realidade.
Para tanto, é necessário fortalecer a organização sindical e estimular a agregação das entidades, substituindo a contribuição obrigatória pelo financiamento democrático. Isso só possível se as decisões forem democráticas, tomadas pela maioria das categorias. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu a legalidade e a legitimidade da contribuição assistencial ou negocial, desde que autorizada e definida em assembleia que trata da negociação coletiva.
Será importante facilitar a negociação e o diálogo em nível nacional das categorias e empresas num conselho nacional de negociação coletiva, via consórcios sindicais, e a criação de uma câmara autônoma de autorregulação com ampla representação sindical para dirimir conflitos sindicais no seu âmbito. É preciso também fortalecer uma ouvidoria sindical de trabalhadores para tratamento político e de mediação das demandas ou denúncias. As novas modalidades de emprego e trabalho, como os apps ou uberizados, e outras formas de trabalho devem serem reguladas até pela segurança jurídica das empresas e dos trabalhadores. É um marco nesse sentido o projeto de lei de regulamentação do trabalho por aplicativos de transporte de pessoas, há poucos dias enviado pelo governo ao Congresso, com o objetivo de garantir aos motoristas de aplicativos um pacote de direitos trabalhistas e previdenciários, sem que haja interferência na autonomia que eles têm para escolher horários e jornadas de trabalho.
A realidade internacional demonstra que economias e países sem distribuição de renda e sem garantias ao trabalho não avançam em produtividade e inovação. A concentração de renda e de riqueza se transforma em obstáculos ao crescimento e coesão social e nacional, abrindo as portas para o avanço e o crescimento do fascismo e de conflitos sociais que levam à derrocada da democracia.
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Excelente matéria.