* Mariana Dutra, Alvaro Lima e Rachel Callai Bragatto
Os imigrantes brasileiros têm direito ao voto sob as mesmas regras e condições que os brasileiros residentes no Brasil. Nas eleições de 2022, são mais de 697 mil eleitores brasileiros vivendo no exterior que estão aptos a votar, representando 0,45% do eleitorado total. Um número maior do que o colégio eleitoral de alguns estados brasileiros, como Amapá (550.687), Acre (588.443) e Rondônia (366.240) – conforme publicação do Tribunal Superior Eleitoral.
O conjunto desses imigrantes está organizado na chamada zona eleitoral ZZ. Nos últimos quatro anos, ela cresceu de 500.727 em 2018 para 697.078 em 2022, um aumento de 39,21%. A zona eleitoral ZZ é transterritorial e engloba 181 cidades estrangeiras. As mesas eleitorais no exterior são abertas quando a repartição consular da região registra no mínimo 30 eleitores. Nas seções com até 99 eleitores, o voto é feito por meio de cédula impressa e urna de lona. A cada grupo de cem a 800 eleitores, uma urna eletrônica é instalada sob a jurisdição do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal (TRE-DF) com apoio da rede consular de cada país.
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O crescimento no colégio eleitoral de brasileiros residentes fora do país acompanha um aumento no número de brasileiros que têm deixado o Brasil para residir em outros países também. Número que mais do que dobrou desde 2015. O último relatório sobre as comunidades brasileiras no exterior, publicado em julho de 2021, indica que são cerca de 4,2 milhões de imigrantes brasileiros vivendo em mais de 150 países.
Este conjunto de cidadãos brasileiros vivendo fora do território nacional, chamado de diáspora brasileira, mantém vínculos, em maior ou menor grau, com a vida nacional. São vínculos sociais, envio de remessas financeiras, propagação da cultura, empresas e produtos brasileiros, participação política por meio do comparecimento eleitoral e de organizações comunitárias.
Apesar disso, brasileiros que moram no exterior não contam com nenhum tipo de representação parlamentar específica, aos moldes do que ocorre em outros países, como a Itália, na qual os imigrantes que vivem no exterior elegem representantes específicos no parlamento (o colégio dos eleitores residentes no exterior vota nos cargos executivos e em candidatos específicos no parlamento que são elegíveis apenas por essa comunidade). Além disso, o acesso ao voto é relativamente difícil devido a ausência ou baixo número de sessões eleitorais em algumas regiões. Por fim, a comunidade imigrante recebe pouca ou nenhuma atenção das campanhas dos partidos políticos.
Os eleitores brasileiros no exterior se deparam com dificuldades específicas para participar do processo eleitoral nacional. São questões que só atingem a diáspora e, portanto, precisam ser tratadas levando em consideração suas especificidades. A começar pela questão elementar no processo político democrático: a garantia do direito ao voto. A comunidade imigrante na maioria de seu território não tem acesso às seções eleitorais. Votar pode requerer um deslocamento longo tornando o voto presencial quase impossível.
Este não é um problema exclusivo apenas da diáspora brasileira, porém outras diásporas já o enfrentaram e criaram soluções. Atualmente cerca de 150 países permitem múltiplas formas de voto para seus cidadãos que vivem no exterior, como Alemanha, África do Sul, Angola, Bélgica, Austrália, Japão, Holanda e Reino Unido.
O crescimento exponencial da diáspora brasileira coloca em questão conceitos chave do Estado e da cidadania, que têm se ressignificado na contemporaneidade devido às transformações das condições materiais de vida. A globalização e a revolução nos meios de transporte e comunicação mudaram profundamente as dinâmicas de mobilidade humana. Os conceitos de espaço e tempo passaram a ter novos sentidos, criando outras possibilidades de existir e coexistir. Pessoas e comunidades em movimento são sujeitos ativos neste processo criativo, coexistindo lá e cá, no país de origem e no país de destino. As chamadas imigrações transnacionais são comunidades que têm vida social, econômica, cultural e política ativa em mais de um território geográfico, simultaneamente.
Este é um dos desafios das democracias representativas contemporâneas. Como garantir o sufrágio universal frente aos crescentes deslocamentos populacionais que rompem a conexão território-cidadão? Como, no caso dos brasileiros residentes no exterior, alargar o direito ao voto para além de presidente e vice-presidente?
O transnacionalismo é um fenômeno das migrações contemporâneas teorizado por Paggy Levitt – professora de sociologia da Wellesley College e da Universidade de Harvard. Fenômeno do qual a diáspora brasileira é parte. Esta teoria explica, entre outras coisas, como estas pessoas vivendo fora do território geográfico nacional nutrem motivações suficientes para participar do processo político e eleitoral em seus países natais. Essas motivações têm suas origens categorizadas por Levitt como de (1) natureza econômica: relacionados com a preocupação com os investimentos financeiros, bem estar da família, planos de um futuro retorno para o país de origem; (2) institucional: no caso brasileiro, a obrigatoriedade do voto traz penalidades administrativas para a vida civil que, para quem mora no exterior, são muito difíceis de resolver; (3) política: são os mobilizadores ideológicos do voto e da participação política, como por exemplo, a identificação partidária.
O pertencimento a sociedades democráticas é possível para sujeitos portadores de direitos. Ou seja, pela garantia dos direitos civis, sociais e políticos – clássica concepção de cidadania. Ainda que seja importante assegurar tais direitos nas normas, isso não é o suficiente, como já apontava Carole Pateman referindo-se aos direitos sociais e políticos das mulheres. É preciso assegurá-los na prática. Nesse sentido, se faz necessária uma crítica à reforma eleitoral de forma a viabilizar a participação política dos emigrantes brasileiros no espírito da Constituição Cidadã de 1988.
* Álvaro Lima é diretor de Pesquisa da Boston Planning and Development Agency (BPDA), Doutor em Economia Política pela New School for Social Research, e fundador do Instituto Diáspora Brasil.
Mariana Dutra é bolsista do INCT/ IDDC, diretora do Instituto Diáspora Brasil, socióloga pela UFPR e mestra em Políticas Públicas pela FLACSO.
Rachel Callai Bragatto é pesquisadora em estágio pós-doutoral no INCT IDDC. Jornalista, mestre e doutora em Sociologia pela UFPR, foi visiting researcher na University of California – Los Angeles, sob a supervisão de Carole Pateman. Investiga temas como democracia e internet, participação política e cibercultura.
Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br.
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