Na semana passada, antes da convenção que homologou a candidatura à reeleição do presidente Jair Bolsonaro, perguntávamos por aqui se havia ordem unida na campanha. A convenção confirmou a dúvida: não há. E o bizarro vídeo publicado nesta terça-feira (26) pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub reforça isso mais ainda.
O evento de domingo (24) que homologou a candidatura de Bolsonaro começou pela presença da primeira-dama Michelle Bolsonaro. Algo que ela não queria e resistiu em aceitar. De acordo com a pesquisa do Ipespe divulgada na segunda-feira (25), Bolsonaro tem apenas 30% dos votos femininos, enquanto Luiz Inácio Lula da Silva tem 48%. Michelle disse então que quando Bolsonaro leva água da transposição do São Francisco para regiões áridas, seu alvo principal são as mulheres que carregam latas d’água na cabeça. Dupla tentativa de alcançar objetivos: além de falar para as mulheres, falar para o Nordeste, onde Bolsonaro tem somente 25% das intenções.
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Ou tripla tentativa: ao falar de mulheres do semiárido que carregam latas na cabeça, ela fala também para os mais pobres. E Bolsonaro tem somente 28% entre os que ganham até dois salários mínimos.
Michelle, que não gosta do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, e nem queria colocar desta forma a cara nos eventos políticos, cumpria ali o receituário que as pesquisas e a coordenação da equipe de Bolsonaro aponta. O discurso público de desconfiança das pesquisas é só discurso público. Como qualquer outra campanha política, a do presidente contrata pesquisas o tempo todo. E se orienta por elas. E sabe, portanto, onde estão os pontos de fragilidade e o que os números sugerem para superá-los.
As mesmas pesquisas apontam que o que desponta principalmente no debate político são posições de minorias. A maioria do eleitorado brasileiro nem acha, por um lado, que Lula é um grande injustiçado, inocente de todas as acusações contra ele, nem admite, por outro, entregar a sua liberdade e a sua democracia nãos mãos de uma aventura golpista que redunde em ditadura e na perda do que se conquistou desde o início da redemocratização em 1985. Diante da evidência demonstrada pelas pesquisas de que os eleitores rejeitam as demais alternativas, o debate que se impõe com relação à maioria é, dadas as desconfianças que essa maioria tem com relação aos dois postulantes, qual deles ele irá escolher no final.
Em resumo, o que precisam fazer tanto Lula quanto Bolsonaro é ampliar seus eleitores para além das suas bases tradicionais. Precisam ir para o centro. E, no caso específico de Bolsonaro no domingo, depois da performance inicial de Michelle, ele passou a dar certeiros tiros no pé ao criticar de novo o Supremo Tribunal Federal (STF) e convocar sua militância outra vez para o dia Sete de Setembro.
PublicidadeO fato de banqueiros e empresários terem nesta terça-feira assinado manifesto em defesa da democracia demonstra o tamanho do tiro no pé. Toda vez que Bolsonaro dá esse tipo de demonstração de que ele mesmo já não acredita na sua vitória e que cogita melar o jogo, ele amplia a quantidade de pessoas contra ele.
E, quando cede, reforça o ódio daqueles poucos que estavam dispostos a ir com ele para o caminho da aventura. Como Weintraub no vídeo. Não custa lembrar que naquela célebre reunião ministerial do dia 22 de abril de 2020, Weintraub disse o seguinte a respeito dos ministros do STF: “Eu, por mim, botava aqueles vagabundos na cadeia”. Depois disso, a espiral de radicalismo de Weintraub acabou lhe custando o Ministério da Educação, e ele refugiou-se nos Estados Unidos com receio de ser preso. Voltou ao Brasil para ser candidato ao governo de São Paulo imaginando que teria o apoio de Bolsonaro. Não teve. Bolsonaro preferiu o perfil técnico de Tarcísio de Freitas. Weintraub, então, chama Bolsonaro de “desonesto” e de ter se aliado aos “porcos”.
Weintraub até mencionou os nomes de alguns dos “porcos” que ele identifica entre os aliados atuais de Bolsonaro. Nessa discussão, Weintraub certamente não é a “pérola”. Mas, em um governo que gosta de citações bíblicas, essa passagem de Mateus não deixa de ser significativa diante do fato de que a disputa eleitoral se destina a conquistar os ouvidos dos não iniciados: “Não deem o que é sagrado aos cães, nem atirem suas pérolas aos porcos; caso contrário, estes as pisarão e, aqueles, voltando-se contra vocês, os despedaçarão”.
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