Vinícius do Valle *
Recentemente o Conselho Nacional de Política Criminal è Penitenciária (CNPCP) lançou uma nota que gerou polêmicas públicas e reações de setores evangélicos. Na nota, o conselho em questão recomenda a vedação do “proselitismo religioso” e pede garantias para que membros de minorias religiosas, em especial de religiões de matriz africana, possam ter respeito a sua fé e à assistência religiosa, tal como os membros de religiões cristãs. A nota foi divulgada pela imprensa e comentada por líderes evangélicos como se impusesse para as igrejas a “proibição da conversão religiosa” nos presídios.
Para além de uma divulgação equivocada pela imprensa e de uma reação de líderes evangélicos que aproveitam a oportunidade para alimentar a narrativa de uma suposta perseguição contra cristãos, o que temos é um conflito clássico existente em diversos meios em se encontram figuras distintas atuando em situações de vulnerabilidade e cuidado, como em ambientes carcerários, de precarização intensa ou de reabilitação de usuários de drogas.
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Nesses espaços coexistem: 1) religiosos guiados por princípios de caridade e assistência espiritual, com motivação e engajamento derivados do universo religioso e maior liberdade de atuação não regulamentada burocraticamente; 2) agentes do Estado que implementam políticas públicas baseadas em princípios racionais-legais, usando recursos públicos e seguindo regras estritas de atuação, conforme os parâmetros legais e os princípios de laicidade do estado e dos direitos dos cidadãos; e 3) acadêmicos, que conduzem pesquisas baseadas no arcabouço teórico e metodológico de suas áreas, com um espírito analítico e crítico em relação à situação encontrada.
É evidente que essas diferentes perspectivas, princípios e motivações podem gerar conflitos. Por exemplo, agentes públicos criticam o proselitismo dos religiosos e a falta de cuidado com membros de outras religiões; religiosos criticam o engessamento e as limitações impostas aos agentes públicos que devem seguir normas específicas; acadêmicos acusam práticas proselitistas religiosas e a abordagem seletiva e insensível dos agentes públicos; agentes públicos se sentem vigiados e criticados pelos acadêmicos, considerando-os inexperientes e idealistas; religiosos veem os acadêmicos como intolerantes à fé e incapazes de reconhecer os resultados de abordagens religiosas; entre outros casos.
Em geral, quanto maior a colaboração e a soma de esforços, e quanto mais controladas as atuações entre esses atores, melhor é o atendimento aos indivíduos e os serviços prestados nesses espaços. No entanto, também ocorrem situações em que os diferentes atores entram em conflito aberto, prejudicando justamente as atividades-fim. Para jornalistas e analistas que observam e informam sobre esses ambientes, é crucial reconhecer a existência dessas figuras e as relações entre elas, a fim de proporcionar uma abordagem justa dos acontecimentos.
Publicidade*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
* Vinicius do Valle é doutor e mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP). Graduado em Ciências Sociais pela mesma Universidade (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP). Realiza pesquisa de campo junto a evangélicos há mais de 10 anos. É autor, entre outros trabalhos, de Entre a Religião e o Lulismo, publicado pela editora Recriar (2019). É diretor do Observatório Evangélico e professor universitário, atuando na pós-graduação no Instituto Europeu de Design (IED) e na Faculdade Santa Marcelina, ministrando disciplinas relacionadas à cultura contemporânea e a métodos qualitativos. Realiza pesquisas e consultoria sobre comportamento político e opinião pública. Está no Twitter (@valle_viniciuss)
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