Os futuros prefeitos das cidades da Amazônia assumirão seus cargos em um dos momentos mais importantes da história do bioma. Os mandatos serão acompanhados atentamente pela comunidade internacional, com a qual o Brasil possui o compromisso de zerar o desmatamento até 2030. Além disso, os municípios amazônidas precisam lidar com as piores consequências da crise climática, convivendo com estiagens intensas e ondas de calor.
As capitais dos quatro estados com maiores índices de desmatamento em 2023 conforme dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes) são, coincidentemente, as quatro maiores cidades do bioma: Manaus (AM), Belém (PA), Porto Velho (RO) e Cuiabá (MT).
Os próximos prefeitos desses municípios enfrentarão desafios diferentes, dentro de realidades distintas: em Manaus, o próximo prefeito terá de lidar com as consequências de problemas importados de fora da capital. Belém receberá atenção mundial com a COP30, Cuiabá enfrenta desafios para conciliar seu crescente desenvolvimento rural com o aumento das temperaturas e menor oferta de água, e Porto Velho ocupa espaço histórico na lista de cidades com piores índices de desmatamento na Amazônia.
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O levantamento a seguir compara os planos de governo dos candidatos a prefeito com intenções de voto iguais ou superiores a 20%, conforme a pesquisa mais recente do respectivo município até o dia 20 de agosto, data do início da apuração desta reportagem. Os planos de governo podem ser acessados em sua íntegra ao clicar no nome do candidato.
Confira o que propõem os principais candidatos das capitais de estados com maiores índices de desmatamento na Amazônia para a agenda ambiental:
Manaus
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A pesquisa realizada pelo instituto Perspectiva Mercado e Opinião, publicada nos dias 13 e 14 de agosto, indica dois candidatos com intenções de voto iguais ou superiores a 20% para a capital amazonense: o atual prefeito, Davi Almeida (Avante), e o deputado federal Amom Mandel (Cidadania).
Principal núcleo industrial da região Norte, Manaus é também uma das metrópoles que vivenciam com maior intensidade as consequências da crise climática: a cidade sofre desde 2023 com picos de poluição aérea decorrentes dos incêndios no sul da Amazônia, acumula ilhas de calor e se encontra no epicentro da estiagem que atinge a bacia do Rio Negro.
Os dois principais candidatos apresentam abordagens distintas: Davi Almeida, do Avante, apresenta um plano enxuto para o Meio Ambiente, propondo expandir as políticas adotadas em sua atual gestão. Amom Mandel dedica 75 páginas de seu plano de governo ao capítulo que trata de ações de gestão ambiental, incluindo medidas específicas para a formação de nuvens de fumaça e adotando a sustentabilidade como critério transversal.
Amom Mandel: O candidato adota a sustentabilidade como um critério transversal para a formulação de todo o seu plano de governo, e oferece 22 propostas específicas para o eixo ambiental. Estas incluem desde proposições genéricas, como a implementação de novas tecnologias para promoção da resiliência ambiental urbana e o investimento em energia limpa, a projetos específicos como a implementação de biorreatores para a limpeza do ar da cidade e a criação de um sistema digital de monitoramento e gestão da qualidade da água e do controle de resíduos sólidos.
Seu plano de governo ainda inclui a promoção de um programa de arborização radical de Manaus, principal solução apresentada por ele para solucionar as ilhas de calor características da capital amazonense. Para isso, pretende utilizar espécies nativas, além de adotar políticas de recuperação e integração de igarapés ao ambiente urbano. O deputado também cita o aumento do investimento em mecanismos de fiscalização e combate contra crimes ambientais.
Desde 2023, Manaus e outras cidades do Amazonas sofrem com crises de poluição intensa do ar, decorrentes das queimadas no sul do estado e no norte de Mato Grosso. A principal solução apresentada é a contratação do sistema Líquid 3, uma rede de fotobiorreatores que utilizam microalgas para capturar o monóxido de carbono presente na fumaça.
Davi Almeida: A maioria das suas propostas tratam de temas relacionados à limpeza urbana, como por exemplo a elaboração de um plano municipal de saneamento básico, ampliação de pontos de coleta e aumento da oferta de barcos de coleta de lixo. Ele também propõe expandir os programas preexistentes de arborização e proteção a ecossistemas urbanos, estimular a construção de hortas comunitárias e aprimorar a infraestrutura dos parques ecológicos.
Seu plano não aborda o combate a crimes ambientais ou soluções diretas para a crise de poluição aérea na capital. Por outro lado, ele relembra que muitas de suas iniciativas ambientais foram implementadas ainda em sua atual gestão, a exemplo do primeiro plano de enfrentamento a desastres climáticos, a criação de um programa de incentivo à adoção de práticas sustentáveis na construção civil e a integração entre a agenda ambiental e o planejamento educacional na cidade.
Belém
Maior cidade na Amazônia Oriental, Belém se prepara para ser o epicentro da discussão mundial sobre a crise climática, hospedando a trigésima Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30). O próximo prefeito ficará encarregado de receber chefes de Estado de todas as regiões do mundo, e a cidade representará o retrato do que podem esperar para a Amazônia.
Dois candidatos alcançaram o empate técnico na pesquisa AtlasIntel publicada em 15 de agosto: o deputado federal Éder Mauro (PL), aliado próximo do ex-presidente Jair Bolsonaro, e o deputado estadual Igor Normando (MDB), membro do grupo político do atual governador do Pará, Helder Barbalho.
-Éder Mauro: Seu programa de governo adota como pilar central na área de sustentabilidade a elaboração de políticas voltadas ao saneamento básico: a questão ambiental é dividida em 14 tópicos, nove dos quais destinados a políticas de gestão de água, esgoto e resíduos sólidos. Estas incluem a criação de um fundo municipal de saneamento, ampliação da rede de esgoto, e a implementação de um programa de remoção de detritos e sedimentos acumulados nos canais da cidade.
Os tópicos restantes falam sobre impulsionamento do uso de energias renováveis, ampliação de programas de arborização urbana e a implementação de uma política de proteção aos mananciais, priorizando a garantia de recursos hídricos. Ele também propõe o fortalecimento de políticas de atendimento veterinário e combate aos maus tratos a animais.
Éder Mauro cita a COP30, mas não em suas propostas ambientais: sua proposta é articular junto aos setores hoteleiro, logístico, cultural e comercial para impulsionar o potencial turístico da conferência e garantir o atendimento às autoridades internacionais que estarão hospedadas na cidade.
-Igor Normando: O candidato do MDB não possui plano de governo cadastrado no Tribunal Superior Eleitoral, ou mesmo anunciado em suas redes sociais. O Congresso em Foco contactou seu gabinete e membros de sua equipe de campanha solicitando a íntegra de seu projeto. Não houve resposta até a conclusão da reportagem.
Cuiabá
Epicentro da expansão do agronegócio, Cuiabá fica entre os três biomas mais ameaçados pelo crescimento da fronteira agrícola: a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal. Se por um lado o município colhe os frutos financeiros desse modelo de desenvolvimento, ele também sofre as principais consequências, como ondas de calor intenso e estiagens que afetam tanto o abastecimento de água para as residências quanto a irrigação para a produção rural.
Três candidatos alcançaram a margem de 20% de intenções de voto conforme a pesquisa da Futura Inteligência publicada em 13 de agosto, e cada um oferece uma plataforma distinta para a agenda ambiental: Abílio Brunini (PL) enfatiza a integração turística com as áreas verdes da cidade; Eduardo Botelho (União) dedica a maior parte de suas propostas ambientais ao desenvolvimento rural, e Lúdio Cabral prioriza políticas voltadas à descarbonização dos transportes e investimento em inteligência para a gestão socioambiental do município.
-Abílio Brunini: o candidato separa os temas sustentabilidade e saneamento básico em áreas distintas de seu plano de governo. Na área ambiental, apresenta três prioridades: expansão de áreas verdes, com políticas de estímulo à arborização e criação de parques urbanos; investimento em parques de geração de energia renovável, com ênfase na fotovoltaica; e reestruturação do sistema de gestão de resíduos sólidos, investindo na construção de aterros sanitários e estações de transferência.
Brunini também se propõe a criar um incentivo fiscal voltado à arborização urbana, descontando o valor do IPTU para proprietários que mantiverem áreas verdes em seus quintais. O candidato também detalhou seu plano de investir na infraestrutura dos principais parques urbanos da cidade, buscando inclusive integrá-los com a gestão turística de Cuiabá.
Por outro lado, o deputado pretende eliminar a obrigatoriedade de permissão da prefeitura para realização de obras, inclusive estimulando construtoras a investir em verticalização.
-Eduardo Botelho: disputando pelo União Brasil, seu plano apresenta um amplo leque de propostas na área ambiental, divididas em cinco eixos: proteção e expansão de áreas verdes, com foco em arborização urbana, criação de viveiros frutíferos e recuperação da mata ciliar; desenvolvimento ambiental, voltado à adoção de cadeias produtivas sustentáveis, modernização na gestão de resíduos e de fomento à educação ambiental; um eixo de desenvolvimento rural, voltado à regulação fundiária e distribuição do Cadastro Ambiental Rural (CAR); e por fim o incentivo à produção agrícola rural, com foco na diversificação de produtos; e incentivo à agroindústria, com foco na formação de cadeias comerciais e desburocratização.
Seu programa também inclui uma reforma administrativa na Secretaria de Meio Ambiente para unificar as cadeias de comando para ações de fiscalização e regulação, além da adoção de parcerias público-privadas (PPPs) para o fornecimento de serviços de assistência técnica a produtores rurais.
-Lúdio Cabral: o plano de governo do candidato do PT conta com uma abordagem transversal sobre sustentabilidade, atrelando o tema às suas propostas de desenvolvimento urbano, com ênfase na mitigação da crise climática. Isso se reflete principalmente na gestão da mobilidade urbana, voltada à descarbonização da frota de ônibus, aumento na oferta de transporte coletivo e expansão da malha de calçadas e ciclovias mirando a redução da dependência de veículos automotivos.
Ao tratar especificamente de questões ambientais, ele também propõe uma política de arborização urbana. Além disso, ele pretende criar programas de recuperação ambiental de áreas degradadas e de recuperação de cursos d’água, implementado inclusive a Zona de Segurança Hídrica do Rio Coxipó e Cuiabá. Ele também inclui propostas voltadas à produção rural voltada à agricultura familiar e ao cooperativismo. O estímulo à formação de cooperativas também está presente em suas propostas de geração de energia solar e de gestão de resíduos sólidos.
Cabral dedica grande parte do capítulo voltado ao meio ambiente para propor o investimento em instrumentos de inteligência para otimizar a gestão fundiária, a coleta de lixo na cidade e o controle da qualidade do ar.
Porto Velho
Única capital a fazer parte da lista de municípios prioritários do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), Porto Velho é também a cidade onde os candidatos melhor posicionados dedicam o menor grau de prioridade à agenda ambiental, oferecendo pouco detalhamento sobre as propostas e sem oferecer mecanismos para que a maior cidade de Rondônia consiga sair da lista.
Os municípios prioritários do PPCDAm são onde há maior incidência de desmatamento com base no monitoramento por satélite, havendo esforço concentrado em ações do Ministério do Meio Ambiente, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). São 70 prefeituras cujos territórios concentram mais de 50% do desmatamento na Amazônia brasileira.
Tanto a candidata Mariana Carvalho, com 51,7% de intenções de voto pela Futura em 9 de agosto, quanto seu concorrente Léo Moraes, com 12,9%, optaram por abordar o tema de forma breve e com pouco detalhamento das propostas. Nenhum dos dois abordou a fiscalização ambiental.
-Mariana Carvalho: concorrendo pelo União Brasil, seu plano de governo reúne os temas de desenvolvimento urbano, rural e ambiental em um único capítulo, listando 14 propostas. Estas incluem a elaboração de um plano diretor de drenagem urbana, um programa de requalificação urbanística voltado à preservação de igarapés, recuperação de áreas degradadas próximas a nascentes, investimento em coleta seletiva e o plantio de árvores em áreas públicas.
Ao tratar de políticas para o campo, ela propõe um programa de distribuição de calcário para o tratamento do solo utilizado na agricultura familiar, avançar com a regularização fundiária e articular políticas de controle de queimadas junto ao governo federal.
Seu plano inclui a gestão da mobilidade urbana no mesmo capítulo, priorizando o modal rodoviário: além de sugerir a construção de novas estradas, pontes e galerias, ela propõe a criação de um órgão autônomo para o monitoramento e manutenção dessas estruturas.
-Léo Moraes: seu programa de governo segue a linha oposta, definindo um capítulo específico para a sustentabilidade, com apenas cinco propostas. Estas consistem no fortalecimento da colaboração com cooperativas de reciclagem para implementar a coleta seletiva em todas a cidade, investir na produção de energia com base em geração por biomassa e fotovoltaica, criação de novos parques naturais, manutenção e limpeza de igarapés e córregos, e a inclusão do ensino de educação ambiental nas escolas municipais.
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