Os grupos responsáveis pela transição para o novo governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva planejam fazer uma primeira apresentação de suas propostas daqui a menos de três semanas, no dia 30 de novembro. E no dia 15 de dezembro fazer uma apresentação final de tudo o que foi discutido e será sugerido para o início do governo no dia 1º de janeiro. Em tese, é com esse calendário que trabalham as equipes coordenadas pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. O problema, porém, está em combinar tal intenção com a realidade. As dificuldades enfrentadas podem trazer empecilhos para o cumprimento dessa agenda.
Neste momento, faltando menos de três semanas para o prazo da apresentação, com exceção da Defesa, foram escolhidas as equipes temáticas. Mas nem todas se reuniram. Algumas equipes ficaram amplas demais e teme-se que, por essa amplitude, não consigam avançar no trabalho. De acordo com pessoas que acompanham a transição ouvidas pelo Congresso em Foco, guerras de vaidade, disputas de poder e falta de estrutura atrapalham a execução do trabalho.
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O espaço reservado no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) não é capaz de abrigar todos os integrantes. Em tese, a transição tem à sua disposição o primeiro e o segundo andares do prédio. Mas, na prática, somente o segundo andar estaria em condições de ser ocupado. Faltam equipamentos e pessoal. Estavam disponíveis computadores, linhas telefônicas e pessoal do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Como é o GSI o braço de inteligência do atual governo, o governo eleito desconfiou de espionagem e dispensou tal estrutura. Assim, linhas telefônicas do GSI só têm sido utilizadas para tratar de questões burocráticas por medo de grampo. Deslocamentos de voluntários tentam cumprir a lacuna de falta de pessoal.
Algumas formalidades burocráticas e a falta de disposição do atual governo geram outros empecilhos. Por regra, um integrante da equipe de transição não pode procurar diretamente um membro do atual governo em busca de informações. Toda solicitação precisa ser feita formalmente e intermediada pela Casa Civil da Presidência, o que torna o processo mais lento.
A equipe de transição dispõe de um orçamento de R$ 3 milhões para o pagamento de suas despesas, deslocamento de pessoas, pagamentos de honorários, etc. Reuniões têm ocorrido mais de forma virtual. Mas há queixas de que em algumas áreas muitos não estariam efetivamente participando.
“Não sabia”
De acordo com uma fonte da equipe de transição, um exemplo da confusão ocorreu quando o ex-ministro das Comunicações Paulo Bernardo foi nomeado para fazer parte da equipe no setor que comandou no governo. Paulo Bernardo começou a receber telefonemas de felicitações por fazer parte da equipe de transição na área de comunicações. E respondeu assim aos primeiros cumprimentos: “Ah, é? Eu não sabia. Não me disseram nada”.
O grande problema estaria na necessidade de conjugação dos diversos grupos que se ampliaram para possibilitar a vitória de Lula, especialmente no segundo turno. Como fazer com que todos esses grupos estejam representados, e como fazer com que pessoas de posições muito díspares consigam chegar a um consenso nas suas áreas que se transforme rapidamente em diretriz de governo.
Há, ainda alguma desconfiança quanto à efetiva participação de nomes da cota pessoal de Lula. Caso, por exemplo, do seu médico particular Roberto Khalil. Há quem desconfie se ele, de fato, deixará seu trabalho e seu consultório para efetivamente discutir questões de saúde pública em Brasília.
A amplitude também gera disputas. O PT briga para não perder espaço para outros aliados. O grupo de Geraldo Alckmin ressalta que é uma cota própria, e não exatamente a cota do PSB que, por sua vez, também reivindica seus espaços.
Um estremecimento nesse sentido aconteceu, por exemplo, na organização da viagem de Lula para a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP27, no Egito. O diretor de Relações Internacionais do PT, Romênio Pereira, reclamou com a presidente do partido, deputada Gleisi Hoffmann, não ter tido papel na preparação da viagem. Gleisi argumentou que Lula era um convidado do próprio país anfitrião da COP, e que viajava como presidente eleito, não como um integrante do partido. Romênio acabou abrigado na equipe de transição que discute relações exteriores.
Meio ambiente
Os arranjos em determinadas áreas levam em conta também a amplitude e a necessidade de abrigo de todos. Nas discussões que estão ocorrendo na COP27, surgiu como proposta a criação de uma autoridade nacional sobre o clima. Tal autoridade teria autonomia de decisão a respeito da questão climática, estabelecendo as diretrizes. Tal proposta é defendida pela deputada eleita Marina Silva (Rede-SP). E o nome cogitado para exercer tal cargo é exatamente o dela que, assim, não iria para o Ministério do Meio Ambiente.
Marina aceita a ideia. Mas quer ter influência na escolha do nome do ministro. Essa a dificuldade. No caso de Marina ser a autoridade sobre o clima, um nome cotado para assumir o ministério é a ex-ministra do Meio Ambiente Isabela Teixeira. Mas o problema aí estaria no fato de que ela não teria uma relação das melhores com Marina. O outro nome cotado seria o senador Randolfe Rodrigues. Mas pensa-se em Randolfe também para o Ministério do Desenvolvimento Regional. Uma hipótese que poderia trazer outros problemas: a região Nordeste, que deu a Lula a maior votação, reivindica o cargo.
Na economia, discute-se a ideia de dar o Ministério da Fazenda a alguém com perfil mais político, recriando o Ministério do Planejamento, que teria perfil mais técnico, indo para um economista. Se a condução da PEC da Transição for um sucesso, o ex-governador do Piauí e senador eleito Wellington Dias ganha estofo para a Fazenda. E o Planejamento poderia ir para um nome como Pérsio Arida, um dos pais do Plano Real.
Herança
Diante das dificuldades em conciliar todas essas questões em pouco tempo, há quem avalie que, nos seus primeiros momentos, o novo governo encontre alguma dificuldade em já produzir resultados prometidos na campanha. E, nesse caso, sugere-se que ele se concentre mais, então, na denúncia dos problemas herdados da gestão de Jair Bolsonaro.
Um dos pontos prioritários, nesse caso, está na produção do chamado “revogaço”, a revogação de decretos editados por Bolsonaro que hoje dificultam avanços em diversas áreas, especialmente no meio ambiente. Cada setor está encarregado de levantar os decretos que criam maiores dificuldades e propor sua revogação. Outro ponto nesse sentido que se pretende priorizar é levantar os diversos sigilos de informações promovidos por Bolsonaro.
Punições
De acordo com integrante da transição, Lula não parece ter disposição para promover perseguições a Bolsonaro e outros integrantes do atual governo. O que, porém, não significa que determinadas questões não possam vir a caminhar no âmbito da Justiça. Sem mandato, Bolsonaro não terá foro privilegiado. Assim como também não terá um de seus filhos, o vereador Carlos Bolsonaro. Lula não pretende colocar a máquina do governo a serviço de fazer tais punições, mas também não pode impedir que determinados pontos acabem evoluindo na Justiça, especialmente quanto a responsabilizações na gestão da saúde e nos inquéritos que investigam atos antidemocráticos.
Há, porém, uma preocupação quanto ao desmonte dos bunkers bolsonaristas que foram instalados nas polícias e nas Forças Armadas. O nome mais cotado para assumir a direção da Polícia Federal é o delegado Andrei Passos Rodrigues, que comandou a segurança de Lula como candidato. Andrei promoveria o retorno a uma PF mais independente.
No caso da Polícia Rodoviária Federal, há um entendimento de que foi bem mais profunda a contaminação bolsonarista. Assim, cogita-se mesmo a possibilidade de uma intervenção, nomeando para a direção-geral um nome que não sairia do quadro da Polícia Rodoviária.
No caso do Ministério da Defesa, é consenso que o posto deve voltar a ser comandado por um civil, e não mais por um militar. É preciso, porém, encontrar alguém com autoridade suficiente para exercer tal comando. Chegou-se a cogitar a ideia de que o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin assumisse a pasta, em arranjo semelhante ao que fez Lula quando nomeou para o cargo seu vice, José Alencar. Mas evolui a ideia de manter Alckmin mais voltado para a articulação política, diante do trabalho que vem fazendo na transição. Nelson Jobim, que já foi ministro da Defesa, também foi cogitado, mas parece não querer voltar ao posto. Um nome ventilado é o do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Ricardo Lewandowski. Em maio, Lewandowski completará 75 anos, idade em que terá de se aposentar compulsoriamente do Supremo.
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