Sérgio Dusilek *
Já faz algum tempo que venho observando, aqui e alhures, o crescimento de uma desconfiança com o ambiente universitário por parte da liderança evangélica. O que durante muito tempo foi motivo de celebração e de estímulo nas comunidades de fé, parece que ganhou outra conotação de uns tempos para cá. A razão seria a tal perda dos jovens da igreja para a universidade, do seu afastamento da comunidade de fé após ingressar na carreira acadêmica. Para muitos, a universidade, especialmente as humanidades, virou sinônimo de apostasia. Esta situação foi trazida à tona de maneira muito apropriada pelo Juliano Spyer em uma recém contribuição dada na sua coluna para a Folha de S.Paulo.
Ora, como tal situação vem acontecendo; cabe-nos indagar de quem seria a responsabilidade. Para parte da igreja, a preconceituosa e que desconhece a vida universitária, a culpa seria desta última. Para esta parcela da Igreja, as universidades, as mesmas que foram criadas no cristianismo medieval (sim, havia muita luz no meio daquela “escuridão”) dentro dos monastérios, estaria se voltando contra seu ambiente criador. A universidade seria, então, este instrumento de Satanás para desviar os cordeirinhos do Senhor do aprisco eclesiástico-pastoral.
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No entanto, para mim, a resposta sobre a responsabilidade recai exclusivamente sobre a igreja. Em parte porque o pensamento evangélico sofreu uma regressão nas duas últimas décadas, o que pode ser comprovado tanto pelos seus novos referenciais que ascenderam a esta posição, quanto pelas pautas que os movem. Também pode ser visto pelo espaço crescente do fundamentalismo com sua postura de instrumentalização da ciência, que nada mais é que um antiintelectualismo em sua raiz.
O resultado foi a perda da capacidade dialogal com a cultura e a ausência do estímulo ao pensamento crítico. A endogenia evangélica provocou um estranhamento em massa na juventude. Sem autonomia, requisito para o pensamento crítico, uma vez tratado como rebanho; e sem o estímulo à crítica, o jovem evangélico chega despreparado para um ambiente onde a liberdade é celebrada e as certezas são desconstruídas no bandejão. No espaço acadêmico o pensamento reflexivo é o combustível que alimenta o clima universitário. O que poderia ajudar a refinar a fé, a crença, a vida, acaba solapando as bases religiosas de quem chega na Universidade. Entretanto, penso que a fé como experiência não seja passível de perda.
Soma-se ao clima crítico da academia o despreparo educacional das igrejas. Na era da geração das “church’s”, em que a exploração sensorial é desmedida com luzes, odores e sons, buscando atrelar as sensações à espiritualidade, o espaço para a formação educacional cristã tem sido relegado a segundo plano. Não são poucos os crentes que, apesar de estarem há algum tempo na igreja, têm parco conhecimento bíblico. Sem as raízes de fundamentação da fé, o menor vento de questionamento acadêmico rasga o véu da religiosidade.
PublicidadeSendo assim, se há um culpado nessa situação, não é a universidade. Sou de uma época em que vi vários pastores mudarem o perfil socioeconômico de suas comunidades de fé, pelo simples incentivo ao estudo. Meninos e meninas que sobreviviam em casebres com seus pais e que hoje são profissionais disputadíssimos pelo mercado, quando não professores universitários. Sou de uma igreja que celebra as conquistas acadêmicas dos seus membros. Mesmo tendo poucos membros, em 2022 contabilizamos cinco novos doutores e quatro novos mestres entre os que congregam nela, sem contar os que concluíram suas graduações, os que as iniciaram e ainda os que ingressaram na pós stricto-sensu.
Termino reafirmando que a fé não se rouba, nem se tira; quando muito ela se esvanece. Lembro também que Jesus nunca atrelou a apostasia ao conhecimento, mas sim à injustiça nos seu espectro mais estrutural (Lucas 18:7). Todavia, tal fenômeno, qual seja, o do enfraquecimento dos vínculos religiosos pelos jovens universitários, só acontece por conta dos penduricalhos que foram apostos sobre a fé. Nesse caso, a universidade presta o bom serviço como o crisol: ela se torna seu agente depurador, purificador.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
* Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é mestre e doutor em Ciência da Religião (UFJF-MG); pastor na Igreja Batista Marapendi (Rio); professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas.
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