A rede social dos computadores nos aparta de quem somos, cria uma persona a qual não poderemos sempre sustentar e coloca nossas mentes e emoções numa gaiola dourada. Muita gente se pergunta hoje: “será que vale a pena?”
No último final de semana, eu aproveitei o final das férias para fazer um retiro de detox espiritual. O convite era: solta tudo! Solta o que não é seu!!! O retiro teve de tudo!!!! Meditação, dança, rituais na natureza, silêncio, muito silêncio… Só não teve celular!!! Ao final de 4 dias, eu consegui atingir a meta de 58% de redução do tempo em frente à tela do telefone. Economia de tempo, aumento de produtividade, mais diversão??? Nada disso!!!
Estar fora do celular representa presença!!!! Significa estar consciente, estar concretamente naquele momento, no aqui e agora. Sem distrair-se com pensamentos, com ruídos, com preocupações, projetos, planos, o futuro que nunca chega…
E como essa experiência se relaciona com o virtual, Beth?
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Não fazer nada foi uma experiência incrível!!! Você consegue imaginar o poder de sentir o vento soprar na sua pele!!! De escutar os passarinhos e saber que tem o sol aquecendo o seu corpo!!! Poder sentir o peito encher de ar e esvaziar!!!! Foi soltando muita bagagem espiritual que eu recebi um outro presente do meu amigo e colega Sérgio Senna, num livro de Mark Manson. Toda vez que eu faço biodança, eu termino a sessão dizendo assim: dane-se o resto.
PublicidadeAo experenciar a presença do outro com olhares, toques, contato e brincadeiras, a gente se conecta com o mundo desde outro lugar: o lugar das células. É um lugar bem mais profundo e mais distante do que os servidores do Google ou das redes sociais. As sensações de prazer e relaxamento são as mesmas de quando a gente desfruta de momentos de presença com amigos ou a família em qualquer lugar que seja divertido, que tenha sorriso, histórias e aquele ar de cumplicidade. O mundo se renova. O sol nasce mais redondo.
A nossa cultura é aquela na qual se “nutre obsessivamente expectativas pouco realistas”, como, por exemplo: “ser mais feliz, ser mais saudável, ser o melhor, superior aos outros, ser mais inteligente, mais rápido, mais rico, mais bonito, mais popular, mais produtivo, mais invejado e mais admirado”.
É exatamente isso que prega Mark Manson no livro de autoajuda. Essa exaltação do próprio Eu. E agora são palavras minhas, é um banquete para o “ego”, e o tal “ego” é a maior e mais poderosa prisão onde podemos encarcerar a nossa liberdade de ser quem a gente é. Por exemplo, O autor diz que, no fundo, todos os problemas que nós passamos são exatamente os mesmos para todo mundo. Ou seja, a gente não tem nada de especial. Nem de único, nem de importante. E é quando a gente olha para o lado e enxerga a dor no outro, a gente percebe que muita coisa não passa de ilusão e que a vida que estão nos vendendo, da ideologia californiana do sucesso a qualquer preço, é uma furada.
Não é incrível isso? Você só tem que ser exatamente quem você é!!! Sabe por que? Porque, diz o autor do livro, “a maioria das pessoas é bastante medíocre em quase tudo que faz. Só mesmo a internet, que aceita tudo, até mentiras a qualquer custo, para nos fazer acreditar que a vida é feita do extraordinário. Na verdade, somos extraordinariamente banais, repetitivos, previsíveis e monótonos, dentro das caixinhas, dirigindo nossos automóveis ou imersos no celular, para não se dar ao trabalho de ter que falar com quem está do seu lado.
Pois assim como a bateria do celular acaba rápido, quando mais se usa, a sua bateria também acaba logo, quando a gente não presta atenção no singelo que é ser humano, como diz a Oprah, aquela apresentadora americana, ou seja, somos extraordinários, porque sim, na nossa maneira de ser, somos únicos, embora não especiais.
A vida é tomada por decisões, me diz Sérgio Senna, que vem do lugar do coração, e não da mente, nem de qualquer servidor que guarda dados na nuvem. Por isso, cuide das suas emoções. Cuide daquilo que te nutre, que te faz sorrir e te arrepia a pele e te fazer respirar fundo sem você sequer perceber.
Cuide do que te traz inspiração, porque é sentimento e emoção, aquilo que te faz mais feliz. Ou o mais triste e o mais miserável dos seres. Não é a internet, nem o carrão de luxo nem o número de seguidores. Às vezes, precisamos de uma única pessoa ao nosso lado, e não de uma multidão, para que tudo faça sentido de verdade.
A verdade é que a vida a gente cria, a gente “cocria”, conceito trabalhado por uma das mais celebradas professoras de felicidade e criatividade de Portugal, a arquiteta, artista e escritora Elsa David. Em uma conversa muito solta e descontraída, ela me conta que todos nós temos uma bússola interna, e a única coisa é que podemos fazer é acreditar que é possível:
“Estar em contato com quem nos alimenta, perceber com quem nós somos, nós aprendemos em rede, mas temos que estar em contato profundo conosco para expressar-se. É uma palavra grega que eu uso da ‘Eudaimonía’, que é a palavra grega que é a quem encontrou o seu caminho e está a cumpri-lo”
A escritora e facilitadora de Biodança Elsa David cita que, segundo o poeta português Fernando Pessoa, nós podemos criar o nosso castelo. Mas, é preciso esquecer as redes sociais, por um lado, para lembrar-se de si. Vamos ouvir a Elsa David:
“Eu sou daquelas pessoas que nem sei ligar a televisão. Redes sociais eu uso para aquilo que me interessa, pessoas que tem vida de verdade. Tudo que na rede que é algo que não corresponde a coisas que não está sendo vivido, como jovens que não querem sair na rua porque não são como aquilo que a pessoa está a mostrar. E isso é triste, é um caminho para aprender por onde não seguir”.
Tanto Elsa David quanto Mark Manson dizem que o caminho da felicidade é o da autoconsciência, mas que é muito desconfortável, às vezes, descontruir as verdades que temos em nós, os mitos, como, por exemplo, de que irmãos devem sempre se amar, de que se eu não te responder em cinco minutos eu não me importo, de que homens não gostam de relacionamentos e mulheres não gostam de sexo, e por aí vai.
Para sermos felizes, precisamos de comida, abrigo e necessidades básicas atendidas. Não precisamos de sucesso material. Não precisamos de estarmos sempre certos. Não precisamos de prazer a cada instante. Nem de otimismo incontrolável, bom humor, negação da própria vida, das próprias dores e das próprias emoções.
O Papo de Futuro desta semana foi filosófico no sentido de te convidar a reduzir em 60% o uso do seu telefone, como eu acabei de fazer no final das férias, e ver o que acontece desde aí. Elsa David mora em Lisboa e sua mensagem ecoa além-mar, no sentido que as redes nos propiciam uma vida de “persona”, ou seja, nos coloca uma máscara, em que já não se é nada além de um personagem desconhecido. Elsa David diz o que de verdade importa.
“O caminho da vida é a humanização, é vinculo, é natureza, é verdade, eu digo sempre a melhor qualidade do ser humano é ser uma boa pessoa, ser uma pessoa generosa, não vale a pena viver de outra maneira”.
O Papo de Futuro hoje termina com essa fala poderosa, desde um lugar de intimidade, de profunda verdade e sabedoria, essa sabedoria que está, no fundo, dentro de cada um de nós, em que só a gente sabe o que de verdade, nos faz sorrir.
O comentário no Papo de Futuro vai ao ar originalmente pela Rádio Câmara, às terças-feiras, às 8h, em 96,9 FM Brasília.
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