Falta pouco menos de 100 dias para as eleições, uma disputa eleitoral na qual o Brasil precisa decidir se quer devolver a política ao Palácio do Planalto ou reafirmar a permanência da delinquência.
Mas existem algumas questões para além das eleições que são tão importantes quanto o próprio processo eleitoral e que, se não discutirmos, corremos o risco de repetirmos as mesmas celeumas dos últimos dez anos.
A principal delas é fundamentalmente sobre o antipetismo e a sua força, há quem credite poderes quase celestiais e onipotentes para esse movimento que foi apenas o substrato de uma questão ainda maior: a crise de representatividade nas sociedades ocidentais, muito motivada pelo distanciamento dos governos com a população e aproximação com o capital financeiro, muitas vezes prontamente atendido enquanto a população passa por dificuldades.
Existem “franquias” do Partido dos Trabalhadores em outros países? Não. E mesmo assim assistimos a uma ascensão da extrema direita e da antipolítica nos EUA, Europa e países da América do Sul.
No caso do Brasil, é preciso que parte da esquerda deixe as teorias conspiratórias de lado e faça essa reflexão, uma vez que é uma ideologia mais identificada com as massas, por qual motivo, mesmo no poder, a população de maneira tão massiva deixou de se ver representada por ela.
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Mas e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Cleber? Isso é outra questão e envolvem questões políticas que rendem um artigo sozinho.
Um reflexo de como essas análises “preguiçosas” que se ancoram no simplismo dos antis ecoam até hoje, seja à esquerda ou à direita, é a recente vitória do esquerdista Gustavo Petro na Colômbia. Militantes de esquerda passaram a alardear uma “onda vermelha” na américa latina.
As Américas não estão passando por uma onda vermelha. As pessoas apenas rejeitaram os governos à direita por motivos semelhantes aos que, aqui no Brasil, rejeitam Bolsonaro.
Elas não votaram só na esquerda, mas na chance real de ruptura com os governos que não lhes atendiam. E o motivo da eleição de tantos políticos mais à esquerda? Isso é simples! Antes da tal “onda de direita” tomar esses países, eles eram governados por partidos de esquerda, a crise de representatividade colocou a direita no poder e que não deu certo. Qual o movimento mais natural? Votarem na oposição a esses
projetos.
Não, o antibolsonarismo não é uma força relevante, assim como o antipetismo também não foi! Exagero? Basta ver dois dos principais nomes em 2018, Haddad, petista e escolhido do ex-presidente Lula, e Ciro Gomes, um político identificado com a esquerda e próximo do petismo.
Aliás, Fernando Haddad, mesmo com os estridentes erros na campanha e com uma chapa pura à esquerda, chegou ao segundo turno com uma votação expressiva.
Não enxergar isso é fugir deste debate. Algo que a própria esquerda brasileira faz quando acredita em agentes infiltrados da CIA, conspirações dignas dos filmes de humor Austin Powers e outras coisas.
Mesmo que houvesse interferência externa na política brasileira, ela apenas instrumentalizou um sentimento existente na sociedade.
Sentimento que volta de ciclos em ciclos.
A eleição do Collor vem justamente nesse contexto, uma eleição impregnada de antipolítica. O que era o “caçador de marajás” se não a forma que Collor encontrou de capitalizar a tal crise de representatividade?
Não discutimos isso e 30 anos depois vimos e esse problema surgir novamente. Vamos esperar mais três décadas para sofrer toda esta celeuma novamente?
Afinal de contas, quando uma discussão parte de premissas erradas, as conclusões só poderiam ser erradas. Assim como o “poder” das redes sociais nas eleições de Jair Bolsonaro.
Na tarefa angustiantes de simplificar eventos ou situações desfavoráveis, há quem acredite que Bolsonaro venceu sozinho, apenas com as redes, memes e notícias falsas.
O que ninguém fala é que Bolsonaro teve um farto espaço de TV, rádio e jornais, contou um amplo leque de palanques informais e formais (BolsoDoria) ao redor do país. Aliás, as notícias falsas veiculadas por ele e sua campanha só tomaram tais proporções graças a essa estrutura e a seguidas notícias de jornalismo declaratório sem o devido contraponto.
Pesquisas de institutos como Quaest, Ipec e Ipesp reforçam que ainda hoje a maioria das pessoas se informa via TV, rádio e jornais. Redes sociais ficam sempre no entorno dos 25%.
Não estou dizendo que as redes sociais são irrelevantes, pelo contrário, são importantes! Porém, elas sozinhas, sem uma estratégia ou ambiente organizado e integrado com outros meios de comunicação, são ineficientes.
Sandices e meias-verdades que nos afastam de um debate inevitável sobre como podemos aprimorar o nosso sistema político, como reduzir a imensa quantidade de partidos que tornam o país quase ingovernável, como reduzir a influência do poder econômico, como podemos controlar as nossas instituições e poderes que hoje atuam totalmente sem qualquer controle e como fortalecer a nossa democracia e acabar de maneira definitiva com os “sequestros e ameaças verde-oliva” e devolver os militares para a caserna, longe da vida civil e da política.
Não há como falar de maneira honesta e séria sobre o futuro deste país sem falarmos sobre essas questões, precisamos discutir a política sem preguiça ou atalhos argumentativos.
A hora que discutirmos a política sem a confortável desculpa dos “antis”, aí sim vamos avançar como sociedade.
Iremos repetir o ciclo de erros dos últimos 30 anos?
Em tempo – para que não passe despercebido
Um dos efeitos da pesquisa Datafolha pode ser a consolidação da aliança do União Brasil com PT em importantes colégios eleitorais. Neste exato momento isso é discutido principalmente entre o PT baiano e ACM Neto e também em São Paulo entre Haddad e Luciano Bivar.
Se essa aliança entre os dois partidos sair, a vitória de Lula ainda no 1º turno será ainda mais palpável.
Já Bolsonaro poderá apenas comemorar que, após uma sequência de episódios ruins para a sua imagem, sua situação não piorou, mas também não melhorou.
Seu governo tem 47% de reprovação e 26% de aprovação. É basicamente a quantidade de eleitores que votariam nele no primeiro turno. Vide a rejeição do Lula de 35%, muito próxima do potencial total de votos do Bolsonaro no 2º turno. 55% dizem não votar em Bolsonaro de jeito nenhum, ante 35% em Lula. Acontece que Lula lidera com 19 pontos na frente e Bolsonaro é amplamente conhecido. Esse é o abismo do Jair.
Para Ciro Gomes, também más notícias. Não é de hoje que eu falo que a campanha do Ciro Gomes estava no rumo errado.
O Datafolha não só mostrou que ele está estagnado como também deu um salto de rejeição. Saiu dos 19% para 24% de rejeição.
Ou seja, não ganhou mais votos e ainda piorou a sua percepção perante o eleitorado.
Tenho a percepção de que Ciro também já percebeu isso. Suas duas últimas entrevistas foram mais tranquilas, se preocupou em falar mais de si próprio e menos dos outros. Eu já falei, o eleitorado não quer um político buliçoso, está cansado disso.
Ele demorou a perceber isso. Poderia ter feito isso desde o começo!
Mas, não, optou pelo comportamento belicoso.
Um resumo do Datafolha:
– Bolsonaro sofrerá com um desembarque e entre aqueles que ficarem, haverá o fenômeno do apoio tímido;
– Braga Neto como vice se torna algo difícil e Bolsonaro terá que implorar algum vice para o Centrão;
– A terceirização da culpa da inflação feita por Bolsonaro e Lira não colou;
– Lula precisa investir pesado no eleitorado da 3ª via e de Ciro Gomes se quiser vencer no primeiro turno.
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