Após oito anos consecutivos com as contas no vermelho, e sem modificar a tendência estrutural de gastos crescentes, o setor público consolidado registrou um superávit primário de R$ 64,7 bilhões em 2021. A mágica foi possível através do imposto inflacionário, o mais perverso e socialmente injusto que existe: com os preços gerais em crescimento, dado que a tributação é proporcional, o valor bruto arrecadado sobe numa proporção maior que os gastos. Como a maior parte da arrecadação advém de impostos sobre o consumo, na prática essa conta está sendo paga pelos mais pobres. Se desejamos construir um país socialmente justo, esse arranjo precisa ser enfrentado.
Claro que não podemos ignorar o contexto da pandemia. No ocidente, entendemos os governos como seguradores últimos em casos de emergências e catástrofes de grandes proporções. Assim, é esperado que o mundo pós-pandêmico terá países com maior dívida pública por causa das políticas públicas necessárias para diminuir a velocidade de infecção e auxiliar os setores econômicos que tiveram que ser paralisados por essas medidas.
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No caso do Brasil não foi diferente. O número de mortos e desempregados foi tamanho que demandou gastos emergenciais – em parte fundamentais para a população, mas também com espaço para alguns claramente ineficientes. Para completar, já vínhamos de uma crise e de um cenário dramático de contas públicas. Mesmo antes da pandemia, previa-se que a dívida brasileira chegaria aos 90% do PIB no início da década de 2020, cenário que foi acelerado pela covid-19.
O fato é que o descontrole nas contas públicas pode comprometer a recuperação do Brasil da crise. Ao passar dos 80% do PIB, a dívida pública está em um patamar muito alto em comparação com a média dos países em desenvolvimento, cerca de 60%. Historicamente, esse crescimento da dívida pública tem sido acompanhado de um aumento sistemático da carga tributária, que também é extremamente elevada para um país emergente. Como o custo político do aumento de impostos pelas vias legislativas é grande, parece estar havendo uma aposta no imposto inflacionário, um caminho perigoso que remonta aos tempos pré-Plano Real.
Chegamos a este ponto em função de um arranjo político disfuncional, incapaz de definir prioridades e muito suscetível à pressão dos grupos de interesse. Assim, a cada interesse específico atendido, mais gasto público é contratado, sem corte equivalente em outras áreas e sem qualquer medida de avaliação de impacto social. A conta não fecha. Nessa trajetória nos enveredamos em direção ao colapso fiscal que, por sua vez, se não for devidamente enfrentado, pode acabar nos levando à volta da hiperinflação – os primeiros sinais de descontrole já sentimos na pele a cada ida ao supermercado, com a taxa de inflação em dois dígitos.
Se não queremos inflação, quais são as alternativas? Falar em aumento de impostos é ignorar a realidade do país. No Brasil, devido ao nosso modelo de tributação no consumo, os impostos acabam pesando mais no bolso das pessoas mais pobres. Ainda, por termos uma carga mais alta que vários países emergentes, isto é, similares ao Brasil, acabamos desincentivando a abertura de novos negócios e a geração de mais empregos, o que dificulta muito o crescimento e consequentemente a redução da pobreza.
PublicidadeO que precisamos enfrentar de fato é o mau uso do dinheiro público. Sequer me refiro à corrupção, mas sim a má gestão dos recursos. Obras vistosas que não têm impacto no cotidiano das pessoas, privilégios e aumentos de salários para políticos e setores com forte poder de pressão do funcionalismo público, além de empréstimos subsidiados a grandes empresas, são alguns exemplos desse mau uso. Enquanto isso, quase metade dos domicílios brasileiros seguem sem acesso a esgoto sanitário e mais de um terço dos jovens de até 19 anos não termina o ensino médio. Sem falar no prejuízo educacional dos anos de pandemia com escolas fechadas que, se não for enfrentado com seriedade, vai significar um apagão de recursos humanos e redução da produtividade.
Então, não só precisamos controlar os gastos públicos para aliviar a pesada carga tributária que recai sobre a população. O nosso verdadeiro desafio fiscal é pôr fim ao sequestro do orçamento pelos grupos de interesse e fazer com que os recursos públicos sejam de fato direcionados para setores prioritários e para a emancipação dos mais pobres. O que começa por não impor a eles o perverso imposto inflacionário.
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