Das 16 medalhas até agora conquistadas pelo Brasil nas Olimpíadas de Paris, nove são de mulheres. Além disso, outras duas medalhas já estão garantidas para categorias femininas: o vôlei de praia e o futebol, que jogam a final nesta sexta-feira (9), às 16h, e sábado (10), às 12h. Sem falar que o vôlei feminino de quadra ainda tem a chance de ganhar o bronze contra a Turquia.
Foi também a primeira vez em que uma delegação olímpica brasileira teve mais mulheres do que homens na equipe. São 153 mulheres e 124 homens.
Veja os medalhistas desta edição:
Para o vice-Presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (Abrapesp), Matheus Vasconcelos, esses resultados representam uma superação histórica e uma mudança no cenário do último século. No governo Getúlio Vargas, o Decreto-Lei 3.199/1941 cerceou o direito das mulheres de praticarem certas modalidades esportivas, inclusive o futebol. “A gente tem uma história secular de baixo incentivo à participação das mulheres no esporte. Mas que vem mudando, principalmente na virada deste século, a gente tem uma mudança e uma crescente”, diz ele.
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Matheus atribui os bons resultados nas Olimpíadas, em grande parte, ao maior investimento nas atletas nacionais. “Há um maior reconhecimento das modalidades também. A gente vê, por exemplo, a ginástica ganhando espaço a cada ano que passa. Passa mais força. Então, as meninas da ginástica vêm trazendo muitos resultados pro Brasil e isso também reflete o investimento que tem sido feito na modalidade”.
Políticas públicas e esforços privados convergiram nessa direção. O Comitê Olímpico do Brasil (COB), por exemplo, lançou o Programa de Desenvolvimento do Esporte Feminino, que “visa promover e incentivar ações em prol do desenvolvimento de atletas, treinadoras, gestoras e outras profissionais do esporte”.
PublicidadeOutra parte da explicação vem da fala do grande destaque brasileiro na ginástica, Rebeca Andrade. Em entrevista ao Jornal Nacional, ela não hesitou em compartilhar o seu sucesso com a sua psicóloga, Aline.
A experiência de Rebeca
Maior medalhista olímpica do país, ao ser entrevistada após a conquista do ouro no solo, Rebeca ressaltou a importância do acompanhamento psicológico para o seu desempenho. Segundo especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco, o uso da psicologia no esporte é essencial para lidar com as pressões internas, próprias das principais competições esportivas, e externas, como as da mídia e das redes sociais.
“Eu converso muito com a minha psicóloga. Eu tento cuidar ao máximo da minha cabeça e do meu corpo para criar aquele equilíbrio para que eu consiga fazer as minhas apresentações bem tranquila, sem pressão, sem obrigação de voltar para casa ou para o Brasil com medalhas”, disse Rebeca Andrade, a maior medalhista olímpica do país em entrevista ao Jornal Nacional. “Eu faço porque é o meu trabalho, porque eu amo, porque eu quero”.
A ginasta, que ganhou ouro no solo, prata no individual geral e no salto e bronze na disputa de equipe na edição deste ano dos Jogos Olímpicos, ressaltou na mesma entrevista que o acompanhamento de Aline foi determinante para a conquista. “Eu acho que é por isso que as pessoas falam que eu pareço tão tranquila, tão serena, porque eu estou ali fazendo o meu trabalho, assim como qualquer outro ser humano que tem um emprego. Sou muito grata a Aline, que é a minha psicóloga, por essas conquistas”, completou.
Adversária de Rebeca durante a competição, a ginasta Simone Biles não competiu nas Olimpíadas de Tóquio, em 2021, por razões de saúde mental. Na série documental O retorno de Simone Biles, a atleta revela a luta contra a depressão, a infância conturbada e a recuperação após o escândalo sexual envolvendo o treinador da equipe estadounidense. Voltou em grande forma: em Paris, conquistou quatro medalhas, três de ouro e uma de prata.
Conforme os especialistas, o apoio psicológico é importante tanto para atletas de ponta quanto para aqueles que estão iniciando. O psicólogo Artur Gomes destaca que “a psicologia é um diferencial enorme quando trabalha com o esporte”. O trabalho envolve desde orientações para trabalhar bem em equipe até o gerenciamento de emoções.
Artur, que atende atletas no Rio de Janeiro, explica que a preparação inclui o desenvolvimento de habilidades mentais, tais como a capacidade de concentração e de foco e até meditação. “A gente trabalha algumas técnicas para proporcionar autoconfiança, autoestima. Trabalhamos também a questão da resiliência e a superação da derrota, porque é impossível ganhar sempre. Então, a gente tem que preparar o atleta para as derrotas também, para ele saber lidar com isso e saber que isso faz parte”.
Tendência de continuidade
Matheus Vasconcelos acrescenta que o trabalho psicológico deve auxiliar o atleta a lidar tanto com situações de frustração, que são capazes de baixar a sua confiança, quanto com situações que envolvem o êxito. Ainda segundo ele, a atuação da psicologia do esporte tem uma tendência de continuidade grande.
“A tendência na minha opinião é positiva, pelo crescimento da especialidade, tanto em número de profissionais quanto em visibilidade. Outro ponto é que há cada vez mais uma cultura de aceitação. Isto é um aspecto favorável. Os atletas falam sobre a preparação psicológica e saúde mental, por exemplo, como aconteceu com a Rebeca Andrade e outros atletas”, destaca ele.
Matheus Vasconcelos também aponta que o Comitê Olímpico Internacional (COI) também tem grande influência nessa popularização. O órgão, que é a maior entidade do esporte no mundo, realiza cursos de formação e redigiu documentos que recomendam aos comitês nacionais serviços de apoio psicológico aos atletas.
Apesar da ampliação da aceitação da psicologia no esporte e do próprio debate em torno de saúde mental, o vice-presidente da Abrapesp ainda vê muitos desafios a enfrentar. Ele diz que, mesmo com o incentivo do COI, a área ainda sofre preconceito dos gestores dos esportes no país.
A Confederação Brasileira de Futebol (CBF), nesse sentido, sobressaiu-se como exemplo negativo. A entidade ficou mais de dez anos sem uma psicóloga na comissão técnica, o que voltou a ocorrer apenas em março deste ano, com a contratação de Marisa Lúcia Santiago, que também é psicóloga do Bahia.
Para Matheus, o apoio da mídia também é essencial para garantir segurança psicológica. O fundamental aqui é não transmitir a atletas, por melhores que sejam, a “obrigação de trazer medalhas”, uma pressão que pode afetar bastante o estado emocional de desportistas.
“A segurança psicológica começa dentro da estrutura a que o atleta tem acesso e a sua disposição para treinar bem ao longo de um ciclo”, afirma o psicólogo. “A confiança começa daí, dessa sensação de estar em um país que me valoriza, que tem dado as condições para treino. Posso dizer isso a segurança psicológica e a participação das mulheres brasileiras hoje nos esportes olímpicos com certeza é muito maior do que já foi em outras épocas”.
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