Na atual legislatura do Congresso Nacional, eles são 124 deputados e deputadas entre 513, e 13 senadores e senadoras entre 81. Nas prefeituras, são 32,3% dos prefeitos e prefeitas, e 44,7% dos vereadores e vereadoras. São sete entre os 27 governadores. Em contrapartida, são quase 118 milhões de brasileiros, a maior fatia étnico-racial da população brasileira, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Que pretos e pardos estão sub-representados na política na política brasileira, os dados mostram ano após ano. Mas que consequências isso traz para a sociedade brasileira?
Especialistas e parlamentares ouvidos pelo Congresso em Foco indicam que o fato de a diversidade da população brasileira não se refletir no Congresso Nacional impacta negativamente a tomada de decisões sobre uma parte muito significativa dos brasileiros, gerando um descolamento entre o Legislativo e o conjunto da população. “Essa baixa representatividade produz reflexo tanto na ausência de políticas públicas que enfrentem o racismo estrutural, quando no baixa presença ou mesmo inexistência de orçamento público para a pauta”, explica Jane Barros Almeida, assessora da liderança do Psol na Câmara.
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Mais do que isso, há o problema da má representação: o baixo número de parlamentares não significa que todos estejam conectados e prontos a discutir e apoiar uma sociedade menos racista para o Brasil. “A gente não conta com todos que se declaram pretos”, lamenta Bira do Pindaré (PSB-MA). “De maneira que nós somos minoria na representação do Congresso e uma parte não se envolve e não assume a bandeira da pauta de lutas antirracistas”, completa o deputado.
Sem representantes suficientes e com pouco engajamento de parte deste grupo, o momento atual é de impedir retrocessos – quando o próprio governo de Jair Bolsonaro tem pressionado contra políticas públicas de equidade racial. Desde o fim de 2019, se tornaram comuns as manchetes envolvendo o presidente da Fundação Palmares, Sergio Camargo – sempre por temas que passam longe do reconhecimento do racismo e da defesa da afro-brasilidade. Nesta semana, o ministro de Educação, Milton Ribeiro, disse a deputados ser contra cotas raciais nas universidades.
“À medida que não há legisladores negros, que não há essa representação nas casas legislativas, não há portanto pessoas com essas preocupações, pensando a formulação de políticas públicas”, reconhece Leonor Costa, que também assessora o Psol na Câmara. “A ausência da representação de pessoas negras no Parlamento reflete nisso: quem pensa na formulação de políticas públicas para negros, para se tornar lei?”
“Não existe política para todas e todos, quando não somos representados”, diz o senador Paulo Paim (PT-RS), um dos três autodeclarados pretos entre os integrantes do Senado. “No parlamento federal brasileiro, não é diferente.”
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Discussão sobre cotas ganha impulso
Sancionada em 2012, a Lei 12.711, que institui as cotas no ensino público brasileiro, deu um prazo de dez anos para a revisão do programa pelo poder público. Essa é uma das razões de nenhuma legislatura ter discutido tanto o tema como a atual.
Dados do Observatório do Legislativo Brasileiro apontam que, das 34 proposições apresentadas sobre a Lei de Cotas desde 1989, 19 delas foram apresentadas desde 2019; 30 proposições sofreram algum tipo de movimentação nessa atual legislatura.
Nem todas elas, no entanto, são favoráveis à política de reservas de vagas em instituições públicas ou privadas para grupos específicos. Das propostas desta legislatura, segundo o Observatório, nove são favoráveis às cotas, sete são desfavoráveis, e três são neutras.
Há textos como o PL 3422/2021, do deputado Valmir Assunção (PT-BA), que prevê a prorrogação dos efeitos da Lei – o texto hoje está na Comissão dos Direitos da Pessoa com Deficiência da Câmara. O PL 461/2020, do deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), busca acabar com os processos de heteroidentificação em exames, o que em tese não permite aos avaliadores testar quem é ou não merecedor de uma vaga em cotas.
Bira do Pindaré lembra que o momento é de resistência. “Não temos como esperar grandes avanços, mas pelo menos preservar o que conseguimos conquistar até aqui”, diz. Bira apresentou um projeto similar ao PL apresentado por Valmir Assunção, mas que prorroga apenas o prazo da revisão da política. O deputado maranhense sugere que o momento atual é inadequado para revisão, “seja pelo período curto de dez anos de experimentação da lei, que trouxe avanços que ainda não são suficientes, seja pelo ambiente político que é impróprio.”
O parlamentar disse que nem o Ministério da Educação apresentou dados preliminares sobre os efeitos dessa política, nem o ministro Milton Ribeiro se mostra interessado na proposta.
Nesta quarta-feira (17), ao falar com deputados da Comissão de Educação, Milton Ribeiro reafirmou que não é hostil à política de cotas raciais, mas que sua visão sobre o tema é outra. “Cota pra mim tinha de ser de ordem social: ou o preto ou o branco ou o alemão ou o índio que não tem acesso social deveria ter acesso”, argumentou. “É minoria, mas negros que tiveram condições de acesso e estudar em boas escolas não precisavam ter cota, ou alegar cotas. Simples assim.”
Já o senador Paulo Paim enxerga no atual momento uma oportunidade de dobrar os esforços em busca de mais avanços. “Acredito que devemos, sim, lutar por conquistas raciais, pois se a população negra ainda vive em condições subumanas, não podemos crer que as exceções são as regras em nossa sociedade”, disse. “Elaborar e implantar políticas públicas integradas para atender à população negra, precisa ser mais que discurso e sim a prática diária para atender uma população que sofre a cada minuto.”
Nesta quinta-feira (18), o Senado aprovou uma proposta de Paim, neste sentido: alinhado com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), os senadores decidiram por igualar o crime de injúria racial a racismo. A proposta, aprovada por 63 votos sim, e nenhum contrário.
Anos de pandemia
A covid-19, que já vitimou 612 mil brasileiros, foi outro momento onde a sub-representação de pretos e pardos mostrou consequências mais graves. Um estudo ainda no começo da pandemia, publicado pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde (NOIS) vinculado à PUC-Rio indicou que quase 55% dos pretos e pardos faleceram enquanto que, entre os brancos, esse valor ficou em 38%. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em novembro do ano, chegou à mesma conclusão: o risco exta de morte calculado pela universidade é de 9%.
O deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) – ele próprio um dos 21 deputados autodeclarado pretos – disse que a pandemia tornou nítido o fato de que a desigualdade, no Brasil, tem cor. “Se observarmos os números, é algo escandaloso – nós temos perto de 250 mortos para cada 100 mil habitantes na cidade de São Paulo para população negra, e 50% disso com a população branca”, expôs o parlamentar. “Se olharmos o desemprego, o mapa da forme, o quesito cor e raça, fica nítida a desigualdade.”
A historiadora Wania Sant’Anna, que é colunista do Congresso em Foco, concorda que o sofrimento infligido aos pretos e pardos durante a pandemia tem a ver com a forma como o país se forma, inclusive politicamente. “Claro que a resposta à pandemia seria absurdamente diferente se a maioria da população brasileira gozasse de outro status social econômico e político”, apontou.
O desleixo com que a pandemia foi tratado no Brasil estaria ligado diretamente com a maneira como as elites veem esta população, argumentou a historiadora. “O racismo como ideologia contaminou a república brasileira, e ela ameaça a democracia brasileira. A república não atende a interesses de todos os cidadãos e cidadãs.”
Wania completou: “Se nós tivéssemos um Congresso comprometido radicalmente com o enfrentamento ao racismo, nem este governo existia.”
No Judiciário…
Na cúpula do poder Judiciário em Brasília, não há a autodeclaração étnico-racial, mas a sub-representação persiste: dados apresentados no relatório “Negros e Negras no Poder Judiciário”, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em setembro deste ano, mostram que, entre os magistrados que responderam ao questionário, nove ministros dos tribunais superiores superiores (TST, STJ e STM) se declararam negros.
O STF, principal corte brasileira, não tem ministros que se declararam publicamente negros, e na história, apenas três deles foram assim identificados: Pedro Lessa, entre 1907 a 1921; Hermenegildo de Barros, entre 1917 a 1931; e Joaquim Barbosa, entre 2003 e 2014.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), 18,6% dos magistrados se declararam como pretos ou pardos. No Superior Tribunal Militar (STM), o índice chega a 21,6% – mesmo que as fotos dos ministros destes tribunais possam passar impressões distintas. Em perspectiva, os nove ministros autodeclarados negros seriam 16,1% de todos os ministros- junto a 47 brancos, ou 83,9% de todos os ministros. “Apesar do percentual de 17% como ministros, o número absoluto já demonstra que não se trata de número expressivo de pessoas”, reconhece a publicação.
Em outras instâncias inferiores, a discrepância é ainda mais gritante: os desembargadores, cargo responsável por tomar decisões definitivas em tribunais de justiça estaduais e federais, tem em sua composição 138 negros, ou 8,8% de todos os desembargadores. São também 1.414 brancos, que representam 90,5% de todos os magistrados.
… e no gabinete de Bolsonaro
No Executivo também não é exigida a autodeclaração racial. Alguns dos ministros do presidente Jair Bolsonaro concorreram a cargos no Legislativo e, por isso, é possível ter uma ideia de como se enxergam: Ciro Nogueira, atual ministro-chefe da Casa Civil, foi eleito senador em 2018 se definindo como branco. Da mesma maneira se definiu Onyx Lorenzoni, atual chefe do Trabalho e da Previdência Social. Fábio Faria, titular das Comunicações, foi outro que precisou se autodeclarar para concorrer a cargo em 2018.
Os registros dão conta de apenas dois ministros do atual gabinete de Bolsonaro que têm autodeclarações públicas como pardos: a ministra-chefe da secretaria de governo, Flávia Arruda, e o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, assim se definiram ao concorrer na Câmara em 2018.
Nilo Peçanha, que assumiu a Presidência entre 1909 e 1910, com a morte do titular, Afonso Pena, é o considerado por historiadores o primeiro e único presidente negro do país em 132 anos de república. Filho de pai branco e mãe negra, Nilo Peçanha era frequentemente hostilizado e ridicularizado por causa da cor da sua pele.