Veja o comentário em vídeo ou texto:
Em 2002, o Centro de Lançamento de Alcântara explodiu e matou 21 pessoas. Essas pessoas eram cientistas e engenheiros. A maior tragédia da história espacial no Brasil deixou lições. A primeira: política espacial não é para amadores. Muito pelo contrário. Os maiores milionários do mundo estão atuando fortemente neste mercado. Eu falo de Elon Musk, dono da Starlink e da SpaceX, e Jeff Bezos, dono da Amazon.
Nossos mártires do espaço nos ensinaram que apenas dedicação não é suficiente para fazer um foguete decolar. É preciso muito dinheiro para colocar uma política pública em órbita, e os satélites são fundamentais para quem quer fazer parte da constelação das Nações que brilham como a estrela Dalva no mundo da internet, já pedindo desculpas pelo mau gosto do trocadilho.
Leia também
Gargalos à inclusão digital
Sem levar a sério um programa de ciência e tecnologia, o Brasil nunca será uma potência mundial.
PublicidadePara nós, que somos da área, quando a estatal pública Telebrás ressurgiu, em 2010, abriu-se uma esperança de que teríamos mais satélites brasileiros interligando a banda larga no país, e cumprindo outras funções, mas a promessa não se concretizou. Ou ela fica no passado, ou vai para um futuro que está por vir.
A primeira dificuldade é que, no Brasil, tudo é gigantesco. Quando Elon Musk esteve no Brasil, em maio de 2022, com a promessa de interligar a Amazônia com a sua constelação de satélites de baixa órbitra da Starlink, ele apenas se esqueceu que o Brasil é um país pobre e que a conectividade de escolas, lares e pessoas no Brasil enfrenta dois gargalos.
O gargalo número 1 é a falta de infraestrutura, a Amazônia é o melhor exemplo, e, quando mais longe e menos habitada a região, o custo para levar rede até o local aumenta a galope, em ritmo de escalada.
O segundo problema é a renda, a falta de recursos para pagar uma conta de internet.
Os satélites de baixa órbitra do Elon Musk, por exemplo, representam um investimento individual que pode chegar a 5 mil reais, totalmente inacessível para a população carente de recursos da Amazônia. E, no Brasil, o cobertor para promover a inclusão digital é curto, curtíssimo, e sempre foi assim. Veja pelo programa de banda larga, que deu origem ao renascimento da Telebrás[1], e que pouco avançou, como já dissemos.
Para se ter uma ideia, o programa Wi-Fi Brasil[2], antigo Gesac, que utiliza satélites para prover conectividade à internet nas escolas e outros espaços públicos, tinha como meta era atingir 18 mil pontos de internet em 2022, sendo a maior parte no Norte e Nordeste, em locais como aldeias indígenas e postos de saúde. Isso é meritório!
Porém, dos 5.570 municípios brasileiros, pouco mais da metade está atendida. E a outra metade?
As pesquisas dizem que mais de 150 milhões de brasileiros estão na internet, e isso parece um feito extraordinário levando-se em conta as dívidas sociais do Brasil. Mas eu te pergunto: e se você estivesse na parcela que não tem na sua mão um smartphone conectado?
Traduzindo em números, estudo da consultoria PwC[3] publicada na grande imprensa identificou que 33,9 milhões de pessoas estão desconectadas e outras 86,6 milhões não conseguem se conectar todos os dias.
Para quem não vive na Amazônia, ou numa fazenda próxima a Luziânia, como meu pai Veloso, em que o pacote de dados é tão caro e miserável que a velocidade da internet é quase reduzida à zero a partir da metade do mês, está tudo certo não ter universalidade nas comunicações no Brasil.
Para o meu pai e para mim, que ficamos dias sem conseguirmos nos falar, é um horror. E os produtores de soja ali ao lado, quando isso entra para o custo Brasil, não dá sequer para calcular o tamanho do prejuízo…
Constelações de satélites
As chamadas “constelações de satélites” são o nome da vez num mercado de mais de 200 bilhões de dólares, abre parênteses – é até difícil fazer essa conversão para real – fecha parênteses, como revela estudo do consultor legislativo Leandro Carneiro disponível no site da Câmara[4]. E o gigante Brasil é apenas um nanico neste mercado, com receita estimada em 1 (um) bilhão de reais.
Ou seja, nem o dono da Tesla, nem o dono da Amazon vai resolver os problemas brasileiros de universalização da internet se não houver uma política pública que subsidie as antenas que os amazonenses terão que instalar em suas casas para fazer a recepção dos sinais de mais de 4.400 satélites que a Starlink prometeu direcionar para a Amazônia, pelo menos é o que prevê a licença concedida à empresa pela Anatel[5], o órgão que regula o setor, válida até março de 2027. E isso é apenas um exemplo.
Outras empresas, como a Swarm e a Orbcomm, também já foram licenciadas pela Anatel para operar suas constelações de satélites de baixa órbita no Brasil. Ou seja, é um mercado competitivo do qual o Brasil pode se beneficiar.
Só o projeto da Starlink prevê levar 42 mil satélites para a órbita da Terra, sendo que pelo menos 1,8 mil já foram enviados[6].
Porém, até o momento, no entanto, tudo que chegou de mais concreto, digamos assim, foi uma peça de um foguete da SpaceX, a outra empresa de Elon Musk, que caiu no interior do Paraná[7]. A empresa admitiu ser a responsável pelo lixo espacial, noticiaram os jornais.
Internet como direito de todos
De fato, quando a gente pensa em Internet das Coisas, com milhares de dispositivos conectados na Avenida Paulista, a gente se lembra que, na Amazônia, existe a Internet da rádio, um casamento inusitado, bem à moda brasileira.
O ouvinte manda mensagens de WhatsApp para rádio, e as mensagens são lidas no ar, tipo recadinho daqueles que a gente ouvia na década de 60: “fala lá para Dona Maria que estou chegando; “olha, o Zé Pingo está doente”, e por aí vai.
Bem, não é bem esse o significado da palavra “convergência” que a gente espera para o povo brasileiro, pois, apesar de o Marco Civil da Internet[8] dizer que o acesso à rede é direito de todos os brasileiros, a única comunicação que verdadeiramente chega a todos os cantos do Brasil é aquela boa e velha cartinha, e aí cabe reconhecer o mérito dos Correios do Brasil.
Mas nem tudo são apagões digitais, e para fazer brilhar a nossa estrela, temos que lembrar que já tivemos a façanha de, em março de 2021, ver em órbitra o primeiro satélite de observação da Terra completamente projetado e integrado no Brasil, ou seja, 100% nacional. O Amazônia-1[9] foi projetado para observar a Amazônia junto com outros dois satélites estrangeiros.
Os últimos editais de frequência para a telefonia móvel, tanto 4G quanto 5G, preveem metas de implantação de cabos abaixo do leito dos rios da Amazônia, e isso é fundamental para complementar e ampliar o acesso à última milha, até a chegada na casa do assinante, o que gera um dinamismo fantástico na economia nacional da internet, composta por mais de 20 mil provedores independentes que hoje atendem metade do mercado de conexão à banda larga no Brasil.
Dependência tecnológica e soberania
Lembra o tempo que tinha que ir para a praça para se conectar na internet, ou ainda o tempo em que ela era discada e vinha aquele som estridente seguido de uma espera irritante para acessar a rede?
Eu não sei hoje se o pior é a dependência extrema que temos das empresas, da tecnologia e dos investimentos estrangeiros para sermos contemplados com diversas constelações de satélites sobre as nossas florestas, fronteiras e imensas áreas rurais, ou se é a perda de soberania que teremos que amargar por uma dependência extrema de infraestrutura que é controlada por empresas estrangeiras, mas aí, os especialistas perguntam: manda desligar o GPS, sistema emprestado pelo Google, experimenta voltar a viver num mundo 100% analógico, só com radinho de pilha, porque agora até a TV é digital!
Ou seja, não há soberania nacional sem autonomia e independência tecnológica, razão pela qual Índia, Rússia e Japão buscam soluções nacionais para atenderem suas necessidades, inclusive desenvolvendo aplicativos próprios de localização.
É, o gigante precisa acordar!
Diga o que pensa de tudo isso, enviando mensagem ao whatsapp da Rádio Câmara (61 99978-9080) ou um e-mail para papodefuturo@camara.leg.br.
[1] https://www.telebras.com.br/instrumentos-de-governanca/leis-de-criacao-da-telebras/
[2] https://www.gov.br/mcom/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/wi-fi-brasil
[3] https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/03/21/mais-de-33-milhoes-de-brasileiros-nao-tem-acesso-a-internet-diz-pesquisa.ghtml
[4] https://bd.camara.leg.br/bd/handle/bdcamara/33499
[5] https://www.telesintese.com.br/anatel-autoriza-o-funcionamento-da-starlink-de-elon-musk-no-brasil/
[6] https://oglobo.globo.com/economia/starlink-de-elon-musk-divulga-precos-de-internet-via-satelite-no-brasil-veja-quanto-vai-custar-25385905
[7] https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2022/03/17/parte-do-foguete-spacex-e-encontrada-por-morador-do-pr.htm
[8] https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm
[9] https://abrasat.org.br/2021/03/18/amazonia-1-e-sua-importancia-para-o-brasil/
O comentário no Papo de Futuro vai ao ar originalmente pela Rádio Câmara, às terças-feiras, às 8h, em 96,9 FM Brasília.
Acompanhe o último programa:
Cem anos do rádio no Brasil: o que esperar?
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
Deixe um comentário