No memorável show “Bons Tempos, Hein?”, o MPB-4 propunha com o bom humor de Millôr Fernandes, autor do roteiro, uma terrível distopia. No auge da ditadura militar, Millôr propunha uma previsão tenebrosa: e se, no futuro, quando nós olhássemos aquele tempo de trevas, comparado com os novos tempos, nós disséssemos: ‘Bons Tempos, Heim?’”
Certamente, não chegamos, ainda bem, ao ponto de dizer uma coisa dessas. Mas, infelizmente hoje se soma à memória dos mortos, desaparecidos e torturados na ditadura as mais de 600 mil pessoas que foram no Brasil vítimas da covid-19. Somam-se os desavisados de verde e amarelo na frente dos quarteis. Somam-se os celerados que atiram em postos de concessão de rodovias e queimam caminhões nas rodovias. Há um clima estranho no país, um cheiro de enxofre que emula de certos pontos de Brasília e de declarações como a do ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Augusto Nardes, que agiu como aqueles meninos que tocam campainha e saem correndo. Criou um temor de golpe em grupos de whatsapp para, depois flagrado, apresentar um atestado médico para sair de fininho.
Não fazia parte do repertório do histórico show do MPB-4 a canção “O que Será?”, de Chico Buarque. Mas, com a subversão agora invertida para aqueles que antes reclamavam e agiam de forma truculenta contra ela, grupos de extrema-direita, a partir do próprio Palácio da Alvorada, fazem o que Chico cantava na letra: “O que será, que será que andam suspirando pelas alcovas? Que andam sussurrando em versos e trovas? Que andam combinando no breu das tocas?”.
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No “breu” da sua “toca” no Alvorada, enquanto cuida da perna ferida pela erisipela, o presidente Jair Bolsonaro nada fala publicamente, mas muito sussurra e conspira. É totalmente por pressão sua que o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, apresentará um documento ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançando novas dúvidas absurdas sobre o sistema eleitoral brasileiro. No fim de semana, Valdemar, em uma entrevista, disse que o PL apresentaria uma reclamação na qual colocaria em dúvida o resultado de 250 mil urnas eletrônicas anteriores a 2020 porque elas teriam todas o mesmo número de patrimônio, o que tornaria impossível auditá-las.
Naturalmente, a reclamação de Valdemar não tem qualquer chance de prosperar. Primeiro, porque a verificação eletrônica da urna não se dá pela sua plaquinha de patrimônio, o que parece óbvio para qualquer um que saiba mexer com uma calculadora eletrônica (nem precisa ser apto em computadores). As urnas são verificadas, é claro, pelos seus códigos internos, que são diferentes a cada uma. Além dos códigos internos, cada urna utilizada na eleição tem um lacre de segurança autoadesivo, com uma numeração de sete dígitos. Se alguém tentar arrancar o lacre, tal violação é visível. Para além disso, ainda que alguém arrancasse o lacre e tentasse violar a urna, sua programação impediria a tentativa.
Ou seja, é mais uma bobagem. A segurança do resultado da eleição foi atestada por todas as instituições nacionais e internacionais que acompanharam as eleições. Mesmo as Forças Armadas, por mais que tenham tentado ser ambíguas – de novo, por pressão de Bolsonaro – não conseguiram encontrar indícios de que possa ter havido algum problema na eleição.
PublicidadeMas digamos que Valdemar de fato tivesse algo de concreto a contestar ao TSE. Isso seria um enorme problema para ele. O Brasil teve eleições gerais em 2022, nas quais foram eleitos não apenas o próximo presidente da República, mas o próximo Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e os governos estaduais. As urnas usadas no primeiro turno são as mesmas utilizadas no segundo turno. Se tivesse havido um problema na eleição presidencial, ela também teria havido na eleição que conferiu ao PL as maiores bancadas na Câmara e no Senado e o milionário fundo partidário que vai gerir a partir de agora. Valdemar quer correr o risco de abrir mão disso?
A jornalista Malu Gaspar, no jornal O Globo, nos mostra que aparentemente não. Ao mesmo tempo em que Valdemar cede à pressão de Bolsonaro, ele, segundo Malu Gaspar, procurou nos bastidores os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e do TSE para dizer que, apesar da sua ação, ele acredita totalmente na higidez do processo eleitoral brasileiro. E que, na verdade, só está fazendo isso porque o chefe com erisipela o pressiona. Traduzindo: “Olhem só: eu vou ter que pagar esse mico, mas relevem”.
O problema é que o “mico” de Valdemar traz consequências. Ele mantém tenso esse ambiente nos acampamentos e nas rodovias. Alimenta esse clima de instabilidade. Ainda que nada aponte para a possibilidade de tal clima evoluir para um golpe, ele impede que o país viva em tranquilidade. E gera violência. E gera prejuízos ao país. Uma irresponsabilidade que é alimentada pelos sussurros no “breu das tocas”.
Há, porém, uma chance disso tudo se dissipar na quinta-feira. Quando a seleção brasileira entra pela primeira vez em campo para enfrentar a Sérvia. No memorável show do MPB-4, havia uma ótima canção de Gonzaguinha, chamada “Se Meu Time Não fosse Campeão”. Que terminava assim: “Hoje eu só quero saber da comemoração. E nem quero pensar: se meu time não fosse campeão, nós fazia uma revolução!”
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