O que a internet tem a ver com dependência? Precisamos da internet para nos deslocar pela cidade. Precisamos da rede para agendar uma consulta, pedir uma pizza, fazer uma compra online, marcar um encontro, falar com aquela tia à distância, trabalhar 24 horas por 7 dias por semana. Se a rede é tão útil na vida cotidiana, como ela pode fazer mal às pessoas?
O que nem todo mundo sabe é que a internet causa dependência química. Em outras palavras, como diz a reportagem do G1 publicada em 13 de fevereiro de 2023[1], a internet é o novo cigarro.
Eu sempre achei vantagem em não ser fumante. Mas os meus níveis de ansiedade nunca ajudaram muito. Eu sou uma típica mulher contemporânea sobrecarregada por múltiplas tarefas, louca fazer o próximo curso de Meditação Vipassana para desestressar.
No entanto, o que pouca gente sabe é que não precisa passar oito horas sentado ou visitar um mosteiro budista para reduzir aquela sensação de estar caindo num buraco como no filme clássico “Alice no País das Maravilhas”.
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Basta a gente desativar o sistema de notificações do celular e então está tudo certo.
Sim, notificação é aquele aviso sonoro e visual que a gente recebe na tela do dispositivo o tempo todo, acusando uma atividade nova.
De acordo com a reportagem do G1, enviada a mim pelo Rogério Cancella, essa notificação funciona como um estímulo. Como hamsters em laboratório, a gente vai correndo ver qual é a comida, ou melhor, qual é a recompensa!
O olhar sobre o fenômeno das notificações não passa apenas pelos estudos da tecnologia, mas também da medicina molecular; da neurociência e da psicologia comportamental, entre outros campos, que ensinam que as notificações visam gerar um comportamento tão viciante quanto o cigarro. Além do condicionamento físico, elas ativam um processo químico que libera a dopamina.
Sim, o truque da indústria de tecnologia foi descobrir como ativar os nossos neurotransmissores, liberando uma sensação instantânea de prazer e satisfação, gerada por este hormônio, a dopamina.
Mas podemos questionar: o que há de errado em sentir prazer? Aliás, na sociedade hedonista em que vivemos, o prazer não é um fim em si mesmo? Não é exatamente este o objetivo da evolução humana: vivermos melhor e mais felizes?
O problema é que essa recompensa é muito rápida e atua como um distração, ou seja, diminui a capacidade de concentração e de controle, reduzindo a habilidade de autorregulação das próprias emoções.
Assim, as notificações e seus mecanismos de rápidas recompensas aumentam nossa impulsividade, reduzem a concentração, e nos tornam mais ansiosos.
Numa explicação mais técnica, conforme o G1, a dopamina também atua na parte da frente do cérebro, inibindo as funções dessa região, chamada de córtex pré-frontal e responsável pelo controle dos impulsos, moderação do comportamento e tomada de decisões.
É claro que a indústria sabe disso, e trabalha para aprimorar esse sistema, e não o eliminar. Eu perguntei ao ChatGPT, o sistema de pesquisa feito por inteligência artificial, por que as plataformas usam um sistema viciante e prejudicial ao usuário? A resposta foi incrível: a inteligência artificial respondeu, com base nos dados reunidos na internet, que as plataformas usam notificações para ganhar engajamento e ganhar a atenção do usuário, com mensagens, notícias, atualizações de status e promoções.
Ou seja, as plataformas estão cientes de que os seus clientes, sobretudo os mais jovens e os mais velhos, estão adoecendo….
E quais são os impactos das notificações nas interrupções no sono, levando a despertares noturnos e um sono intermitente? E o que é possível fazer a respeito?
O sono é fonte de energia e de vida. Esses fatores podem levar a um sono insuficiente, fadiga durante o dia, problemas de concentração e memória, ansiedade e irritabilidade.
Em resumo, é um dos motores da sociedade da Atenção, aquela que precisa dos seus dados para vender para outros empresas e lucrar com isso. A mesma empresa que presta todos os serviços gratuitos, como saúde, educação, transporte e aluguel de apartamento, vendas online, etc, e que acredita que vai substituir o papel do estado, é a que usa as notificações de maneira pouco ética, sem responsabilidade para aumentar o tempo de uso das telas e, consequentemente, reduzir a produtividade e aumentar o estresse, a ansiedade e outros doenças associadas há hiperatividade.
E qual o remédio?
Há vários podcasts que discutem o quanto as notificações são tóxicas!
No podcast Cómo fabricar tiempo, do jornal espanhol La Nacion, sob o título “Domá tus notificaciones para que no te dominem”[2], Martina Rua e Pablo Fernández dizem que as notificação que nos engancham, e quando vemos o tempo já passou.
No podcast em inglês Nu e Cru Rádio, a pergunta é: “as notificações são nossas amigas?”[3], e a conclusão é que 90% das notificações que recebemos das plataformas são relativas a vendas.
Já o podcast “Reprograme seu cérebro”, com o título “Fuja das Notificações”[4], o recado é uma pergunta: “quantas vezes você olhou uma notificação e ela era realmente importante”.
Pior que isso, muitas vezes a notificação é uma notícia falsa, um mensagem de cyberbullying, que é um ataque pessoal, ou um discurso de ódio, uma ofensa, um comentário negativo.
Por isso, aqui vão as dicas do Papo de Futuro para evitar que você tenha que trocar a tela do celular pelo consultório do psiquiatra.
Número 01: desative as notificações antes que seu cérebro que entre em pane porque tem de fazer mil coisas ao mesmo tempo, e não faz nada direito.
Número 02: deixe as notificações em poucos aplicativos e apenas das pessoas que realmente importam
Número 03: afaste-se do celular quando precisa se concentrar em tarefas específicas e só pare esta tarefa quando terminar.
Número 04: esteja ciente que uma distração pode retardar o seu processo de atenção por pelo menos 30 minutos.
Número 05: não caia a armadilha do FOMO, o medo de perder algo, conforme a sigla em inglês.
Número 06: limite o tempo de uso do celular. Oito horas por dia é tempo demais.
Número 07: deixe o celular em outro cômodo, quando estiver dormindo.
Número 08: evite usar os aplicativos de mensagem no seu computador de mesa. Ele vai roubar todo o seu tempo e a sua produtividade.
E, para terminar, ajude a lutar por uma regulação que impeça as plataformas de usarem estratégias baseadas na psicologia comportamental e táticas viciantes, como as utilizadas pela indústria dos jogos, como bem lembra Guilherme Felitti do blog Tecnocracia[5], para nos manterem enganchados na internet. Além de educar os usuários para o uso saudável dos dispositivos eletrônicos, o que inclui combater as notificações que nos faz agir como hamsters engaiolados numa “‘cerca invisível de arame farpado’ ao redor das nossas vidas”, como diz o crítico digital Evgeny Morozov[6].
Parece bem difícil controlar as plataformas digitais. Porém, ainda que sejam gigantes, em números, elas cabem nos dedos das duas mãos: as cinco maiores empresas de tecnologia americanas – Apple, Google, Facebook, Microsoft e Amazon – e os aplicativos Uber, Airbnb, Booking, e alguns poucos mais.
Sempre tem um começo!!!
Você ainda pode enviar a sua sugestão de tema, crítica ou sugestão para o WhatsApp da Rádio Câmara (61) 99978-9080 ou para o email papodefuturo@camara.leg.br.
[1] https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/02/13/celular-e-o-novo-cigarro-como-o-cerebro-reage-as-notificacoes-de-apps-e-por-que-elas-viciam-tanto.ghtml
[2] https://open.spotify.com/episode/3qu7kpcpfQn9RzjvVZMwnw?si=whDtLtWQTuWhKOWvdksPYA&nd=1
[3] Fonte: https://open.spotify.com/episode/3CYKCcdx0tRBBQiTteyDwN?si=939L8RvITUym69LPBChP2g&nd=1
[4] Fonte: https://open.spotify.com/episode/1KAcEFlTi1TILZyNgaHBHw?si=S7XTz5adTKu8h14aRDUQSA
[5] Fonte: https://manualdousuario.net/series/tecnocracia/
[6] Fonte: http://revistaportoalegre.com/as-politicas-de-fora-da-internet/
O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para redacao@congressoemfoco.com.br.
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