por Hannah Maruci Aflalo*
A primeira ideia de mandato coletivo do mundo foi lançada no início nos anos 1999, no Brasil. A proposta, cujo nome era “cyber vereador”, foi idealizada por um estudante da UERJ, Marco da Costa, que idealizou um mandato mediado por computadores, em uma época em que a política ainda estava muito longe do virtual. O cyber vereador concorreu pelo Partido Verde e não se elegeu. Em 2002, na Suécia, um grupo de alunos e professores decidiram construir um mandato e venceram as eleições. A chapa tinha como proposta incentivar a população popular.
Alguns anos depois, as candidaturas coletivas começam a aparecer com força no Brasil e, mais do que isso, a ser efetivamente eleitas! Hoje, já existe um total de 20 mandatos coletivos eleitos nas casas legislativas brasileiras. E há algo em comum entre eles: em sua maioria, são compostos por integrantes de grupos marginalizados e sub-representados na política eleitoral. A política como ação coletiva revela-se uma forma de democratizar o sistema eleitoral brasileiro, permitindo que corpos que não estavam acostumados a ocupá-lo, alcancem mandatos. Não é à toa que a ex co-deputada estadual, Robeyoncé Lima, afirmou que os mandatos coletivos são uma forma de “hackear a política”, porque permitem que mulheres, sobretudo negras, trans, LBTQIA+, consigam alcançar lugares de poder na política eleitoral.
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Além disso, as candidaturas coletivas desafiam o modo de funcionamento histórico da política feita por homens. No lugar de uma política centrada no indivíduo – muitas vezes legislando em causa própria, como assistimos na atual minirreforma eleitoral -, uma política como sempre deveria ter sido, construída coletivamente.
Ontem, na votação dos destaques do texto da minirreforma eleitoral, essa possibilidade foi jogada no lixo. O texto original estava muito distante do que era necessário para assegurar as candidaturas coletivas, mas ainda existia nele alguma possibilidade de regulamentá-las, apesar de ser uma regulamentação problemática, uma vez que dava aos partidos políticos total autonomia para decidirem sobre elas. O que as candidaturas coletivas precisam é de regulamentação legislativa, de forma a reconhecer e garantir sua legitimidade. Além disso, é preciso oficializar a figura dos coparlamentares, que precisam ter direitos semelhantes aos do cabeça de chapa e que atualmente são deslegitimados como representantes.
Mas essas reivindicações nunca foram levadas em conta na atual minirreforma eleitoral, que foi feita sem a escuta da população e das organizações da sociedade civil que atuam pelo fortalecimento da democracia no Brasil. O resultado disso é que se o texto for aprovado até dia 6 de outubro, as candidaturas coletivas não poderão mais existir a partir das eleições de 2024. As candidaturas coletivas vêm sendo perseguidas e deslegitimadas por aqueles que não querem que o status quo mude. Respondendo à pergunta lançada neste título, quem tem medo das candidaturas coletivas é quem está se beneficiando da desigualdade do sistema eleitoral brasileiro e não quer que ele mude para manter seu poder.
Publicidade* Hannah Maruci é doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, onde pesquisa a sub-representação de gênero e raça na política. Também é co-diretora d’A Tenda das Candidatas, organização social que capacita mulheres para o jogo político-partidário e incide política e legislativamente pelos direitos políticos de grupos historicamente marginalizados
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