Quatro indígenas Avá-Guarani foram feridos em ataque em uma área de disputa de terras entre Guaíra e Terra Roxa, no oeste do Paraná, na noite dessa sexta-feira (3). Entre os feridos estão uma criança e adultos de 25 e 28 anos. A Polícia Federal (PF) está investigando as ações criminosas. As vítimas foram levadas ao Hospital Bom Jesus de Toledo. O estado de saúde delas não foi divulgado.
Vídeo divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) mostra o socorro a uma criança indígena ensanguentada. O ataque faz parte de uma série de atos violentos praticados contra os moradores da região desde 29 de dezembro, incluindo a explosão de rojões e um incêndio em barracos considerado criminoso, com membros da aldeia já feridos anteriormente.
Vídeo o vídeo publicado pelo Cimi (atenção: imagens fortes)
A PF mobilizou forças de segurança federais, estaduais e municipais para evitar novos episódios de violência e planeja realizar uma perícia no local. Em áudios enviados ao Cimi, indígenas relatam que a Força Nacional, que atua na região há dois meses, não tem demonstrado interesse em conter a violência. “Mesmo sendo acionada, a equipe só se fez presente após a Polícia Militar chegar ao local”, destacam as lideranças.
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O Congresso em Foco procurou o Ministério da Justiça para comentar as providências que serão tomadas em relação aos ataques. O texto será atualizado caso haja manifestação. Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas informou que solicitou no domingo (29) reforço no efetivo da Força Nacional na região (leia a íntegra mais abaixo).
Guerra anunciada
A disputa por terras na região é histórica, com indígenas reivindicando áreas devido ao alagamento causado pela construção da Usina de Itaipu, enquanto agricultores locais também cobram direitos sobre essas terras.
Coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, a deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) encaminhou ofício a diversas autoridades sobre a situação, destacando a necessidade de reforço na presença da Força Nacional na região. Na avaliação dela, as medidas adotadas até agora pelo governo são insuficientes. Célia solicitou uma reunião urgente com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski. Em ofício, ela pediu ao ministro reforço no efetivo da Força Nacional de Segurança na região, a criação de um plano preventivo pelos órgãos de segurança e a abertura de inquérito para apurar os episódios.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) também pediu ao ministro e ao Judiciário que interrompam os ataques contra os indígenas Avá-Guarani.
De acordo com o Cimi, os atos de violência eram previsíveis há mais de um mês, devido à insatisfação de não indígenas com a retomada dos territórios tradicionais pelos indígenas. O manifesto intitulado “S.O.S Aldeia Yvy Okaju Corre Risco de Extermínio”, criado pelos Avá-Guarani em 23 de novembro, já alertava sobre essas ameaças. O documento afirma: “Fomos informados de que, no dia 25 de dezembro de 2024, as pessoas brancas estão se organizando para realizar um novo ataque contra nossa comunidade.”
Em resposta à crescente tensão na região, o Ministério da Justiça autorizou, ainda em novembro, a atuação permanente da Força Nacional de Segurança Pública na região de conflito.
Além de solicitar ações da pasta, a Apib também acionou juridicamente diversas instituições, incluindo a 6ª Câmara do Ministério Público Federal (MPF), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Tribunal de Justiça do Paraná, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos, a Defensoria Regional de Direitos Humanos no Paraná e o Ministério Público do Paraná, para que tomem as medidas necessárias para pôr fim aos ataques.
Vídeo mostra incêndio considerado criminoso na região:
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Abaixo, cápsulas utilizadas em ataque na virada do ano:
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Veja a íntegra da nota do Ministério dos Povos Indígenas:
“O Ministério dos Povos Indígenas (MPI) condena os atos de violência contra o povo Avá Guarani, ocorridos desde o fim de dezembro de 2024, na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira, no estado do Paraná. O MPI acompanha a situação junto aos indígenas por meio do seu Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas e está em diálogo com o Ministério da Justiça e Segurança Pública para a investigação imediata dos grupos armados que atuam na região.
Ainda no domingo (29), imediatamente após saber dos ataques, o MPI reforçou a solicitação de presença e aumento de efetivo da Força Nacional na região dos conflitos, com base na Portaria do MJSP nº 812, de 21 de novembro de 2024, com vigência até 20 de fevereiro de 2025. A portaria autoriza o emprego da Força Nacional em apoio à Funai nos municípios de Guaíra e Terra Roxa, no Paraná, desde janeiro de 2024. A presença da Força Nacional no território acontece em articulação com os órgãos de segurança pública do Paraná e atende ao pedido do MPI ao MJSP para evitar atos de violência contra os indígenas, mobilizados pela garantia de seus direitos territoriais.
Também em dezembro de 2024, foi realizada agenda interministerial junto aos Avá-Guarani, no âmbito da Sala de Situação para Acompanhamento de Conflitos Fundiários Indígenas. Participaram representantes do MPI, da FUNAI, do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania (MDHC) e da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH). A ação objetivou a coleta de informações sobre as condições de vida das comunidades indígenas da TI, para identificar suas necessidades em contexto de contínua luta pelo território e pela manutenção de sua cultura.
Histórico de retomadas
Impactados pela invasão de não indígenas em seu território desde a década de 1930 e gravemente afetados pela construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu, nos anos 1980, os Avá Guarani têm realizado retomadas de terras desde o fim dos anos 1990. Atualmente, duas áreas ocupadas pelos Avá Guarani estão em processo de regularização: a Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira e a Terra Indígena Ocoy-Jacutinga, esta última em fase de estudos.
A Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira teve seu Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) publicado em 2018. Contudo, sob gestão do governo anterior, uma portaria da presidência da Funai de 2020 o suspendeu, mas esse ato administrativo foi revogado em 2023 pela atual presidenta do órgão, Joenia Wapichana, de modo que o RCID segue válido.
O MPI enfatiza que a instabilidade gerada pela lei do marco temporal (lei 14.701/23), além de outras tentativas de se avançar com a pauta, como a PEC 48, tem como consequência não só a incerteza jurídica sobre as definições territoriais que afetam os povos indígenas, mas abre ocasião para atos de violência que têm os indígenas como as principais vítimas.”
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