Protagonistas de uma das greves de maior impacto econômico da última década – a paralisação dos transportes rodoviários em 2018 – caminhoneiros de diversos estados decidiram se mobilizar para furar a bolha do Congresso Nacional. Eles querem montar a bancada dos caminhoneiros. E a falta de uma unicidade da categoria sobre o apoio a Lula ou Bolsonaro nas eleições presidenciais deste ano fez com que o PSD levasse a melhor.
Em uma jogada estratégica, a sigla comandada por Gilberto Kassab, assegurou legenda para 21 líderes caminhoneiros, todos com “vida de estrada” como eles destacam, que irão concorrer a cargos legislativos. Nove deles entram na disputa para deputado federal.
“A luta nossa luta agora é para montar uma bancada sim. Para que daqui a um tempo se fale ‘a bancada dos caminhoneiros’, como se fala a bancada do agro ou a bancada evangélica”, defendeu Efraim Tinoco Caminhoneiro, que trabalhou como autônomo por doze anos até parar em 2019, quando precisou vender o caminhão que tinha para pagar dívidas. Hoje ele é celetista em uma transportadora.
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Os caminhoneiros filiados ao PSD estiveram envolvidos nos movimentos grevistas de 2018, o que traz uma herança do antipetismo que dominou aquela eleição. Entretanto, o aumento da insatisfação com o presidente Jair Bolsonaro dentro da categoria é latente, conforme relata Tinoco, o que faz com que praticamente todas essas candidaturas sejam proporcionalmente marcadas por um tom de oposição ao governo.
“A categoria está rachada em relação ao apoio ao governo Bolsonaro, mas a aversão ao PT também é grande, tanto que quando conversei com o pessoal muitos disseram para procurar qualquer partido menos o PT. No PSD a gente deixou claro que não vai defender candidato a presidente A ou B. O que a gente menos quer é entrar na polarização de Lula e Bolsonaro porque se a gente levar isso vai dar errado justamente pelo racha da categoria”, disse o caminhoneiro.
Ele explica que, apesar disso, chegou a abrir conversa com o PT, mas não houve avanço.
PublicidadeOutro caminho ventilado pelo grupo foi o União Brasil, devido à fusão com o antigo PSL. “Eles queriam que a gente abraçasse pautas deles. Kassab surgiu aos 45 do segundo tempo”, brincou.
A batida de martelo sobre as filiações e pré-candidaturas ocorreu na sexta-feira (1) e teve como principal articulador o presidente da Frente Parlamentar dos Caminhoneiros no Congresso, deputado Nereu Crispim, que trocou o União Brasil – atual partido de Sergio Moro – também pelo PSD.
“O PSD é um partido de centro que cresceu com vários deputados e senadores distintos e a galera se identificou porque a pauta dos caminhoneiros é mais apartidária e não ideológica”, reconheceu Crispim.
Apesar de presidir a Frente, Crispim reconhece a falta de representatividade da categoria na Casa. Atualmente, nenhum parlamentar eleito é caminhoneiro, ainda que tenham ganhado visibilidade eventual por pautas ligadas ao setor como é o caso de André Janones (Avante-MG), advogado eleito deputado federal em 2018 após se apresentar como porta-voz das demandas da classe, mesmo sem nunca ter atuado no setor.
Articulações dos caminhoneiros pós Sete de Setembro
Apesar do martelo com a sigla de centro de Gilberto Kassab ter sido batido apenas no final da semana passada, o movimento dos líderes caminhoneiros em busca de cadeiras no Congresso não é de agora. Desde 2018 diversas lideranças tentam se articular para ganhar voz, mas foi após os atos do Sete de Setembro de 2022, que essa pretensão começou a ganhar forma.
“Em 2018 as lideranças foram se consolidando. Criamos a Frente dos Caminhoneiros no Congresso e ela se converteu em um guarda-chuva. Mas eles perceberam que não conseguíamos tocar as pautas. Viram que ganharam na pista e perderam na caneta. Daí no ano passado começamos a fazer reuniões em todo o Brasil para pensar nas eleições e reunir esses nomes”, disse Crispim.
A primeira grande reunião ocorreu no dia 18 de setembro, em Brasília. As conversas giravam em torno do resgate das reinvindicações de 2018 e críticas ao não cumprimento de promessas de Bolsonaro – que na época defendeu os protestos – à categoria. Participaram lideranças de 22 estados brasileiros. Além da unificação das pautas houve o acerto de que a postura deveria ser menos partidária e mais focada em questões da classe como o aumento no preço dos combustíveis e a dificuldade de acesso à subsídios de crédito.
Ficou igualmente estabelecida uma agenda de reuniões pelo país que seguirá durante este ano. A próxima, inclusive, será no dia 9 de abril, no Paraná, desta vez com a apresentação oficial dos pré-candidatos do grupo.
Dolarização dos combustíveis e a pauta de 2018
Em uma nota pública fechada após a reunião do grupo de caminhoneiros em setembro do ano passado, quando ficou definida as pautas que seriam defendidas por eventuais candidatos, foram listados, dentre outros, o piso mínimo do frete, aposentaria especial com 25 anos de contribuição ao INSS, INSS pago pelo caminhoneiro e, a mais polêmica delas, a derrubada do PPI, a política de preços da Petrobrás.
“As candidaturas resgatam as pautas que a categoria lutou em 2018. Nós vimos que lá nós ganhamos na pista, mas depois perdemos na caneta”, falou Tinoco Caminhoneiro.
Em maio de 2018, ano eleitoral, o Brasil vivenciou a crise do Diesel, uma paralisação nacional de caminhoneiros – em sua maioria autônomos – que durou oficialmente nove dias. Houve desabastecimentos de mantimentos e combustível em praticamente todos os estados e o Exército e a Polícia Rodoviária Federal precisam intervir para desbloquear as estradas. A queixa era contra os sucessivos aumentos nos preços de combustíveis.
Após a Operação Lava Jato, durante a gestão Michel Temer (MDB), a Petrobrás mudou substancialmente as estratégias de mercado e houve a adoção do Preço por Paridade Internacional (PPI) ou a dolarização dos combustíveis. Na prática, o preço dos combustíveis vendido pelas refinarias às empresas fica atrelado às flutuações do dólar – cotação do barril de petróleo e câmbio, diminuindo a interferência do governo.
O assunto foi judicializado com o apoio da Frente Parlamentar dos Caminhoneiros, enquanto o presidente Bolsonaro tenta contornar a situação e manter a base de apoio promovendo mudanças no comando da Petrobrás.
A cada insucesso, porém, seguido de um novo aumento de preço dos combustíveis, o fantasma de uma nova greve ressurge, sinalizando para o poder de pressão que essa categoria acumula.
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