De repente, frases muito antigas voltaram à cena como se fossem o último lançamento da temporada. No mundo da política, a invasão das mensagens através das redes sociais, responsáveis pelo impulsionamento de candidatos até então não apenas inexpressivos mas simplesmente desconhecidos como o coach Pablo Marçal trouxe de volta, bem vestida e renovada, a velha expressão: “Falem mal, mas falem de mim”.
Para quem está atento às engrenagens do marketing digital, a ascensão e o sucesso repentino de Pablo Marçal não têm nada de novo. Credite-se a ele o domínio pleno do universo virtual onde atua na condição de comunicador e, principalmente, o formidável conhecimento das estratégias de comunicação dos dias atuais. Basta um exemplo: quando Marçal teve suas contas no Instagram suspensas por ofensas a outros candidatos, ele não se conformou em apenas buscar seus direitos na Justiça. Imediatamente abriu uma nova conta. Como lembra o ex-juiz federal e doutor em direito Erik Navarro, a decisão judicial, em vez de limitar o alcance de Marçal, catapultou esse alcance. “Seu novo perfil no Instagram angariou milhões de seguidores, demonstrando a antifragilidade de sua presença digital”. Assim, em vez de sucumbir, “a estrutura digital de Marçal se fortaleceu, evidenciando a resilência do fenômeno digital frente às ações legais. Mais do que isso, agora, o algoritmo do Instagram prestigiará Pablo, pois é isso que acontece com contas novas, com muitos seguidores”.
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Do ponto de vista das campanhas, vale a pena uma reflexão sobre o que pode ter levado milhões de eleitores a apoiar candidatos como Marçal, que trocaram as propostas factíveis e amparadas na realidade por performances nas redes digitais. Performances sintonizadas com um velho princípio do jornalismo, segundo o qual as notícias ruins repercutem mais do que as notícias boas. E os protagonistas dessas notícias ruins – candidatos que provocam rasteira e até criminosamente os adversários até que eles saiam do sério – terminam sendo os beneficiários da imagem do que não se intimida, do corajoso, do que enfrenta os adversários – enfim, do vencedor. Sem falar que essas disputas fornecem os “cortes” – trechos de vídeos curtos e descontextualizados, distribuídos maciçamente pelas redes sociais, com efeito forte e imediato na audiência. Grosseiramente falando, o resultado é que sequer se discutem promessas ou projetos, mas sim quem é o mais capaz de chegar ao pódio, sobretudo pelo uso da violência, alçada à condição de virtude, e não de defeito, obliterando a própria essência da política. O eleitor deixa de ser, com seu voto, o agente da transformação em busca de melhorias para sua comunidade para se tornar apenas torcedor de uma luta sem regras, muitas vezes sangrenta ou até mortífera.
Ora, para candidatos despreparados em relação aos seus próprios municípios, estados ou mesmo ao país, essa estratégia é perfeita, porque lhes permite concorrer sem necessariamente dispor de um repertório mínimo de propostas a serem cumpridas durante o mandato almejado. Marçal é o melhor exemplo disso. Daí porque o jargão antigo “falem mal mas falem de mim” está sendo utilizado à larga nas eleições atuais. Pois importante é a ocupação dos espaços nas redes sociais, seja lá como for. E fundamental, como afirma o cientista político Robson Carvalho, da Universidade de Brasília, é gerar uma cortina de fumaça que retira o foco do eleitor do que realmente importa para sua cidade, seu estado ou seu país.
Importante frisar que essa estratégia é particularmente bem vista pelos candidatos e setores simpáticos à extrema direita, ao fascismo e ao nazismo. O mesmo professor lembra que Hitler chegou ao poder na Alemanha pelas portas da democracia. Achar que esse pensamento é normal e democrático é totalmente equivocado e extremamente perigoso. Não à toa, nos países democráticos sequer se permite o a legalização e o funcionamento de partidos de corte fascista ou nazista. Mas essa possibilidade não está assim tão distante. Basta ver, como igualmente lembrou o professor Robson Carvalho, que o deputado Kim Kataguiri (União-SP) chegou a defender a criação de um partido nazista, em nome da liberdade de escolha e de expressão. Como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.
Da mesma forma, veículos de comunicação tradicionais vêm abrindo espaços generosos para atores dessas ideologias difundirem suas ideias, como se isso fosse uma coisa igualmente muito natural. E não é. Uma antiga norma do jornalismo ensina que não se deve abrir espaço para assassinos confessos ou apanhados em flagrante “se defenderem”, pois eles são, apenas, assassinos, e tudo o que disserem só servirá para naturalizar os crimes que cometeram. Da mesma forma, abrir espaço para os arautos de ideologias responsáveis por morticínios de milhões de pessoas como os perpetrados por Mussolini na Itália e Adolf Hitler na Alemanha não tem nada de democrático nem de respeito à livre expressão. É, apenas, uma atitude… criminosa. Simples assim.
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