Gabriela Leite *
Enquanto cristã progressista, sempre me posicionei sobre o cenário cristão com certo viés crítico. Tenho muitas, inúmeras críticas a respeito das condutas de muitos religiosos, mas também sei reconhecer quando a instituição onde estou inserida é cruel e intensamente injustiçada.
As palavras proferidas por Ermínia Maricato, em aula pública ocorrida na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo no último dia 15, ao se referir às igrejas como “máfias”, são palavras de quem olha à distância e possui uma visão deturpada sobre as ações e relações evangélicas em locais periféricos. Falo isso porque, como jovem nascida e criada na igreja, sei exatamente qual o modus operandi da igreja em locais mais vulneráveis. As pessoas estão sedentas por justiça, mas não é uma crítica às “máfias religiosas” que irá saciar tal anseio
Pergunto-me, honestamente, e sem qualquer vestígio de rancor ou ressentimento, se a intelectual já se aproximou o suficiente das igrejas localizadas nas periferias e viu o que eu vi, em 26 anos de igreja. A assistência que as igrejas prestam em suas comunidades é essencial para o funcionamento e o sustento dos organismos sociais das favelas e comunidades.
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Distribuição de cestas básicas, auxílio na renda familiar, acompanhamento psicológico e espiritual são alguns dos fatores benéficos da presença das igrejas nas comunidades. Quando falamos de vulnerabilidades, sejam elas sociais, físicas ou psicológicas, raramente vemos intelectuais prontos para oferecer os ombros para consolar o choro. Quando vemos famílias sendo vítimas de um Estado violento, quase nunca vemos intelectuais prontos a acolhê-las em suas casas ou espaços privados. Mas quando essas vulnerabilidades, esses momentos de dor são compartilhados e colocados no altar, em sentido figurado ou não, esses moradores têm, enfim, o amparo próximo e humano.
Essencial lembrar que há casos e casos. Cada igreja é uma igreja, cada periferia é uma periferia, e cada crente se comporta de acordo com a sua subjetividade. Mas quando fazemos um levantamento sobre as instituições mais presentes no auxílio populacional diário, a igreja está lá.
PublicidadeCreio que, sim, há a necessidade de criticar e impedir o avanço de igrejas que, motivadas pela ganância, abusam da confiança de seus fiéis. Entretanto, no caso da fala da professora Ermínia Maricato, a escolha de palavras, o local e o timing não contribuíram para uma reflexão saudável sobre o assunto.
Acredito que a fala da professora foi injusta ao colocar todas as igrejas no mesmo nível. É preciso entender que a pesquisa acadêmica, quando feita de maneira correta, com observação isenta e participativa, é válida para todos os propósitos que levam a conhecer a totalidade da igreja. E acredito, também, que é preciso olhar com mais carinho para as atuações evangélicas nos lugares onde as igrejas estão inseridas. É preciso olhar. E participar.
* Artigo publicado originalmente no Observatório Evangélico. Os textos publicados pelo Observatório trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
* Gabriela Leite é nascida e criada na igreja batista, é graduada em Literatura pela Universidade Católica de Petrópolis e pós-graduanda em Direito Humanos. Escreve sobre cultura, literatura e religião com foco em raça, gênero e juventude. Atualmente, é gerente de projetos, presidente da Juventude Batista Petropolitana e coordenadora de ação social na Primeira Igreja Batista do Alto da Serra, em Petrópolis. Está no Twitter e Instagram: @gbrlaleite.
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