Lucas Medrado*
Durante muito tempo os evangélicos foram um grupo minoritário no Brasil, país tradicionalmente de maioria católica. A hegemonia do catolicismo foi um dos elementos responsáveis por instigar a perseguição aos evangélicos. Projeções que provavelmente serão confirmadas pelo próximo censo indicam que os evangélicos se tornarão a maioria religiosa já na próxima década. O crescimento da religião evangélica, no entanto, não resultou na diminuição do preconceito contra os seus adeptos.
Vindo de toda a sociedade, mas principalmente por parte da esquerda, ainda proliferam visões extremamente estereotipadas das igrejas e dos evangélicos. De um modo geral, a esquerda costuma ler os evangélicos como um grupo absolutamente marginal para a construção da cultura e da intelectualidade. Além disso, nota-se uma dificuldade imensa em se perceber que hoje os evangélicos não se encontram apenas nas igrejas, mas se fazem presentes em muitos outros espaços, na política, nas grandes empresas, nas salas de aula, nas cadeiras universitárias, etc.
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Por outro lado, essa espécie de preconceito tem se tornado um ingrediente importante para os discursos via púlpito de alguns pastores relativos à perseguição contra evangélicos, que chegam aos ouvidos dos fiéis, reforçando dessa forma uma ideia já enraizada em muitas denominações. O raciocínio que embasa tal empreitada é o de que certas pautas correntes no debate público, como a questão do aborto, dos direitos da população LGBTQIA+, da defesa do estado laico, dentre outras, teriam como finalidade perseguir os adeptos da religião evangélica. Esses pastores defendem que se as políticas públicas não atenderem exclusivamente aos interesses das igrejas, essas políticas estariam fazendo um desserviço ao mundo evangélico.
Ou seja, de um lado estão aqueles que, por má-fé ou ignorância, reproduzem todo tipo de preconceito contra os evangélicos, que afirmam que todo evangélico é alienado e intolerante, que todo evangélico almeja transformar o Brasil em uma teocracia, havendo mesmo quem afirme que as igrejas nas periferias atuam como verdadeiras máfias, como aconteceu recentemente; e do outro lado estão aqueles que exploram a incompreensão do mundo evangélico com a finalidade de propagar a ideia de que está em curso uma perseguição orquestrada contra as igrejas.
O repúdio das leituras estereotipadas do evangélico não pretende condenar as críticas pertinentes que podem e devem ser feitas às igrejas e aos pastores. É preciso lembrar então que no Brasil não existe perseguição religiosa do modo como certos pastores dão a entender que haja. Pelo contrário, temos uma liberdade religiosa tão acentuada que permite, aliás, a coexistência das igrejas com outros tipos de expressões religiosas.
PublicidadeA denúncia da perseguição invariavelmente envereda por distorções. Durante a pandemia em São Paulo, quando o governo estadual estipulou os decretos proibindo a aglomeração de pessoas em locais fechados, incluindo aí os espaços religiosos, muitos pastores acusaram o governador João Dória de perseguição religiosa, algo improcedente. Houve naquele momento uma forte manipulação discursiva para tentar mostrar que os decretos eram instrumentos de perseguição contra as igrejas.
Portanto, essa maneira de distorcer determinadas pautas que frequentam o debate público e determinadas medidas adotadas por governantes é suscetível de questionamentos. Críticas a tais posturas dos evangélicos, que não necessariamente se enquadram como falas de perseguição, mas que antes disso desmascaram a suposta moralidade de certas lideranças, essas críticas são bem-vindas.
Quanto mais essa noção de perseguição estiver no discurso dos pastores, mais divisões e separações os evangélicos irão imprimir em relação à sociedade. Isso porque a ideia de perseguição religiosa enfatiza uma leitura que opõe o nós contra eles, os outros. Estes são sempre lidos na ótica da rotulação também. De modo que, se parte da sociedade brasileira lê preconceituosamente os evangélicos, parte desse grupo, por sua vez, lê a sociedade de modo preconceituoso.
É verdade que algumas igrejas e pastores parecem temer realmente o alcançe das pautas que eles associam às esquerdas e que isso os levam a uma defesa da moralidade cujo contorno é o de uma batalha do bem conta o mal. A propagação dessa mensagem parece ser uma das causas do preconceito contra os evangélicos.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
Lucas Medrado é doutorando em Letras pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Especialista em História e Teologia do Protestantismo no Brasil pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela Universidade Santo Amaro. Graduado em Letras Português/Inglês pelo Centro Universitário Estácio Radial de São Paulo. Membro da Rede Latino-americana de Estudos Pentecostais (RELEP). É autor do livro Cristianismo e Criminalidade (Fonte Editorial). Membro da Assembleia de Deus (Ministério do Belém) em São Paulo, SP.