Esta semana começa com uma nova etapa no Congresso. A Comissão de Comunicação é uma nova realidade. A internet entrou de vez na mira da Câmara e todos os assuntos da rede agora vão ganhar um fórum especifico.
E eu aposto que o PL das Fake News (PL 2630/2022) vai ser um dos carros chefes desse debate centralizado no impacto, no poder e nos riscos das redes sociais.
A vantagem disso é que o Brasil e o Parlamento estão cientes de que só uma solução genuinamente nacional pode ser colocada à mesa, não adianta tratar de proteção à infância, de combate ao racismo ou de impulsionamento do discurso de ódio da mesma forma que os Estados Unidos fazem. Para começar, a cultura brasileira é muito mais tolerante com a violência em suas formas diversas, pois a impunidade é mais generalizada por aqui, e isso tem que ser levado em consideração, até mesmo para podermos repensar essa realidade.
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Mas a verdade é que o Brasil também está farto de tanta liberalidade por parte das plataformas, e eu disse plataformas, no jeito de tocar os seus negócios. Isso quer dizer que a sociedade reivindica ter mais direitos na internet, e isso tem sido discutido aqui de diversas formas.
Até porque, tudo que gira em torno da rede entra num terreno do intocável, do sagrado, que não pode ser mudado porque a internet considerada – de maneira errônea, no meu entendimento – como se fosse uma força da natureza, quase como um vulcão, um tornado ou uma chuva fina.
PublicidadeNão é nada disso, e a Europa saiu na frente e agora nos inspira a dizer que a comunicação digital também precisa de limites, como tudo na vida.
Inspirada no meu colega de Consultoria Legislativa Guilherme Pinheiro, vou mostrar o que eu chamo de prioridade nessa agenda. Número 1: claro, o combate ao conteúdo online ilegal, ou seja, de golpes na internet até discurso de ódio. Número 2: exigir proatividade das plataformas, para combater tudo que é ruim na rede. Ponto número 3: prontidão para o combate ao crime e conteúdo ilegal, incluindo prestar informações às autoridades judiciárias ou administrativas, o que nem sempre aconteceu atualmente. Ponto número 4: as plataformas precisam se abrir para o diálogo, tanto com as autoridades, quanto com os usuários, e sobretudo com esses últimos, que precisam ter um canal de comunicação para o reconhecimento de suas demandas pessoais.
Conversei com o editor da revista Teletime, Samuel Possebon, sobre o problema da regulação das plataformas digitais. Ele me explicou por que essa discussão é tão importante:
“Na minha opinião, este é um momento que é inevitável que a gente tenha um debate sobre a questão da desinformação. Foi um tema que protagonizou os dois últimos processos eleitorais, tem influenciado de maneira relevante no processo político brasileiro, tem influenciado outras questões, como a pandemia, é um problema que o mundo inteiro enfrenta, não é um problema relacionado só ao Brasil e que sem dúvida nenhuma requer um tratamento legal e de uma normatização com relação a forma do Estado atuar e a forma dos atores econômicos atuarem.”
Samuel Possebon alerta que o setor está consciente de que o debate é relevante, mas não necessariamente urgente. Neste caso, a pressa é inimiga da perfeição. Embora esta discussão já estava presente no Congresso brasileiro há mais de três anos, e tenha sofrido influência da regulação europeia, mesmo na Europa, o Digital Services Act (DAS), ou ato de serviços digitais, entrou em vigor em novembro do ano passado e terá eficácia a partir de fevereiro de 2024.
O Brasil é conhecido pelo modelo plural e democrático de discutir esses assuntos, e o Marco Civil da Internet, ou MCI (Lei 12.965, de 2014) é o melhor exemplo disso, inclusive porque foi construído de maneira colaborativa.
Por isso, o MCI foi considerado uma lei exemplar em todo o mundo, para assegurar os princípios de governança da rede.
Samuel Possebon concorda que agora é necessário repensar também o MCI, que não está obsoleto, como foi dito pela Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert) no último debate da Teletime, o Seminário de Politicas de Comunicação, realizado em fevereiro deste ano em Brasília, mas que precisa sim ser atualizado.
“Eu entendo que o Marco Civil da Internet, por ser da economia digital, ele naturalmente vai ser desafiado do por novos modelos de negócios, por novos problemas e novas tecnologias relacionadas a esse ambiente digital. Dando um exemplo simples, a gente não tinha a conectividade 5G, a gente não tinha um debate aprofundado com a inteligência artificial, a gente não tinha o problema dos deep fakes, que são os avatares criados a partir de imagem e sons reais e que imitam pessoas que eventualmente já nem estejam vivas e que podem ser um mecanismos de desinformação relevante.”
Com a nova Comissão de Comunicação, esse enfrentamento ganha força. Porém, pode ser que o assunto fique diluído entre tantas outras prioridades do setor, como as questões das antenas para a conectividade 5G, a reforma tributária das telecomunicações, a inclusão digital nas escola ou o uso ético da inteligência artificial.
Essa é uma agenda que gera ansiedade só de olhar para ela, e cada desafio parece maior do que outro. Sem falar no uso da inteligência artificial para escrever textos, que desafiam a academia, e a questão autoral. Por isso, o tema das fake news pode ser o ponto de partida, no sentido de cobrar maior responsabilidade das plataformas digitais, sem que ter que fazer uma reforma geral no Marco Civil da Internet, que já está pronto, embora seja brando no aspecto de considerar as plataformas meros distribuidores, e não editores da noticia, como de fato o são.
Eu seguiria o caminho proposto pelo Samuel Possebon, o foco neste momento é o combate à desinformação e o discurso de ódio, que tem que ocorrer de mais ampla e, para isso, não dá para ter pressa.
“A discussão não está restrita só â desinformação e do discurso de ódio as questões da democrática. O debate sobre o ambiente digital vai mais longe e passa pelas questões concorrenciais envolvendo os diferentes atores do mercado, ele passa pelas questões de soberania nacional, de cibersegurança, e questões relacionadas com inteligência artificial. Mas o ponto mais premente para uma regulação mais imediata é a da desinformação, que vai ser feita com várias discussões em paralelo, mas sem dúvida, deve ser essa a questão mais urgente.”
Há duas questões básicas para gente tratar de desinformação na rede. A primeira são as regras da publicidade, que devem ser visíveis e éticas e beneficiar a sociedade, e não os interesses de quem quer espalhar desinformação e crimes pela internet.
A outra regra de ouro é proibir o comportamento “transgressor”, eu diria assim, das plataformas, ou seja, proibir comportamentos por parte das plataformas que levam a enganar, manipular ou distorcer a realidade no sentido de retirar do usuário, cliente, assinante, o cidadão digital, a capacidade de fazer escolhas livres e conscientes.
O que se pretende é a vedação ao Dark Pattern (padrão escuro, numa tradução literal), que está no código de regulação europeu da internet. E isso inclui a possiblidade de dizer: não, eu não quero mais usar essa plataforma. Adeus, bye bye, até breve.
Liberdade também é transparência no mundo digital.
O comentário no Papo de Futuro vai ao ar originalmente pela Rádio Câmara, às terças-feiras, às 8h, em 96,9 FM Brasília.
Acompanhe o último programa:
Por que acham que podem dizer tudo na internet?
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