Com a democratização do acesso a impulsionamento, indefinição do que é propaganda eleitoral gera novos desafios que precisam ser enfrentados
Houve um momento em que fazer publicidade era algo caro e para poucos. O acesso a tempo de TV, outdoor e em jornal impresso era caríssimo. Essa realidade mudou bastante diante da popularização dos instrumentos para produção de peças, com a digitalização dos processos e acessibilidade de câmeras de alta definição, e a ampliação dos fornecedores de espaço publicitário na web. E isso tem impacto enorme nas eleições, claro. Ainda mais porque não há definição do que é propaganda eleitoral. Assim, fica difícil fiscalizar a previsão normativa de que apenas as contas de candidatos e candidatas podem realizar impulsionamento e não as pessoas físicas e, muito menos, as jurídicas, já que financiamento privado de campanha está proibido.
O problema em torno da indefinição do que constitui propaganda eleitoral não é de hoje. Um exemplo que pode ilustrar bem o imbróglio: nos idos da campanha eleitoral de 2014, em que Dilma Rousseff (PT) enfrentava o candidato tucano Aécio Neves (PSDB-MG), a consultoria financeira Empiricus Research anunciou online com as seguintes mensagens: “Como se proteger da Dilma: saiba como proteger seu patrimônio em caso de reeleição da Dilma, já” e “E se o Aécio Neves ganhar? Que ações devem subir se o Aécio ganhar a eleição? Descubra aqui, já”.
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Em liminar, a Justiça Eleitoral mandou o Google, proprietária da ferramenta de venda de anúncios online, retirar do ar todas as peças publicitárias da empresa de análise de ações Empiricus, que, segundo o PT, fazia “terrorismo econômico”. E, no entanto, o plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) considerou improcedente a representação da coligação do PT e da presidente Dilma Rousseff contra a consultoria de mercado.
Na ocasião, o relator, ministro Admar Gonzaga, votou no sentido de multar a empresa em R$ 15 mil por considerar que houve propaganda paga na internet, o que na época era vedado pela Lei das Eleições. Conforme registro do próprio TSE, “ao manter os argumentos que usou para deferir a liminar, o ministro Admar Gonzaga afirmou que, para ele, houve excesso com as expressões utilizadas nos anúncios postados na internet. O ministro ressaltou ainda que, no caso, a publicidade não só menciona o pleito futuro, por meio de propaganda paga na internet, como também faz juízo positivo e negativo sobre dois candidatos ao pleito presidencial. De acordo com o relator, houve “clara estratégia de propaganda subliminar”.
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Na ocasião, o ministro Gilmar Mendes, divergiu: “não vamos querer que a Justiça Eleitoral, agora, se transforme em editor de consultoria”. E disse temer que “esse tipo de intervenção da Justiça Eleitoral em um tema de opinião venha a, realmente, qualificar uma negativa intervenção em matéria de livre expressão. Tentar tutelar o mercado de ideias não é o papel da Justiça Eleitoral”, sustentou.
No caso, seria possível argumentar que não é o mercado de ideias que se tentava tutelar, mas o mercado publicitário, este sim uma responsabilidade da Justiça Eleitoral. Mas já não adianta discutir casos passados. A questão é que diante da Reforma Eleitoral de 2017, a situação já nebulosa e que colocava desafios relevantes para garantia da igualdade de condições dos candidatos se tornou ainda mais complexa.
A minirreforma eleitoral, realizada por meio da aprovação da Lei nº 13.488, de 2017, permitiu o impulsionamento de conteúdos na Internet como parte da campanha, desde que realizado pelos candidatos – e, claro, não por empresa, uma vez que está proibido o financiamento privado de campanhas, direta e indiretamente.
A partir daí, a questão não é apenas se é propaganda na internet ou não. Mas passa a ser necessário avaliar se houve propaganda (via impulsionamento) por quem quer que seja, que não fosse uma candidatura. E isso significa analisar uma base de dados nem sempre disponível para acesso aos cidadãos e partidos. Enquanto o Facebook mantém uma livraria de anúncios contendo aqueles produzidos a partir do Brasil, o Google, não (ainda que disponha de um relatório de transparência com informações dos Estados Unidos, Índia, Israel, Nova Zelândia, União Europeia e Reino Unido).
Analisando os dados disponíveis na biblioteca de anúncios do Facebook percebe-se que pessoas físicas fazem impulsionamento de seus comentários acerca de candidatos. E que uma parte dos anúncios que podem envolver campanha eleitoral pode não estar registrada na biblioteca, uma vez que apenas por meio de autodeclaração de conteúdo social, político ou eleitoral há o registro. Ou seja, depende da boa vontade do usuário fazer a autodeclaração.
Em uma busca rápida é possível encontrar impulsionamento pago por pessoa física criticando o candidato Guilherme Boulos (Psol). Citar um/a candidato/a em impulsionamento deveria ser considerado propaganda eleitoral? Eis um debate relevante de ser feito. Podemos estar sendo ingênuos a achar que é possível determinar os valores gastos na internet por candidatos analisando apenas a prestação de campanha. Não há CPMI de fake news que resolva se não enfrentarmos os desafios do nosso momento de desenvolvimento sociotécnico e político.
A princípio, parece razoável que os partidos direcionem seus filiados a fiscalização de impulsionamento online. É um desafio e tanto, uma vez que as bolhas promovidas pelos algoritmos e o microdirecionamento da propaganda podem garantir que todo um segmento da sociedade esteja mal informado, totalmente alheio, acerca do tipo de investimento em mídia que está sendo feito ao longo do processo eleitoral e quem está operando os aportes.
Na minha época de infância, eram muitos os filiados a partidos que se dispunham a fiscalizar eleição nos colégios eleitorais. Talvez, esta função tenha perdido um pouco de importância e o novo fiscal de partido seja aquele que fica em frente ao computador, navegando nas redes sociais e nas bibliotecas de anúncios.
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Nesse contexto, empresas jornalísticas também necessitam parar de agir hipocritamente e devem suspender as propagandas e terrorismo políticos disfarçados de notícias…