Nestes 34 anos da nossa Constituição, o Brasil acaba de vivenciar o processo de eleições gerais, que novamente nos permitiu, no mesmo dia da votação, sabermos quem são nossos representantes, dando o Brasil mais uma demonstração de que as urnas eletrônicas funcionam sim, como têm funcionado desde 1996, para nosso orgulho e honra, perante as democracias do mundo, cujos representantes aqui presentes como observadores o testemunharam.
O presidente da República tentou em diversas ocasiões desacreditar e desmoralizar o Tribunal Superior Eleitoral, além de tentar também restringir a oferta de transporte público, mas não teve sucesso graças à justa e oportuna decisão da justiça.
Isto poderia prejudicar as pessoas mais pobres e vulneráveis, com consequências de grave elitização do voto, mas o Judiciário corretamente não acolheu a insensível e descabida demanda, julgada improcedente, garantido o pleno acesso ao transporte público a todos os eleitores, como deveria de fato ser, por questão de cidadania plena.
A Constituição de 1988 consagra a proteção à dignidade humana, ao meio ambiente, ao patrimônio público, no entanto, o mesmo Brasil que disse não a Sérgio Camargo, o controvertido presidente da Fundação Palmares, bem como a Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara que cumpriu pena por corrupção, ambos candidatos a Deputados Federais, elegeu Erika Hilton, primeira mulher trans para a Câmara por São Paulo. Mas, ao mesmo tempo escolheu Deputado Federal em Minas Gerais o atleta Maurício do vôlei, demitido do Minas Clube por ter praticado atos de homofobia.
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Os eleitores deram a Marina Silva, já mais de uma vez candidata à Presidência da República e símbolo maior da defesa do meio ambiente, pouco mais de duzentos mil votos, suficientes para sua eleição. Entretanto, elegeram como um dos campeões de votos em quarto lugar em São Paulo com mais do que o triplo dos votos o ex-Ministro do Meio Ambiente do atual presidente, que se notabilizou ao defender em reunião ministerial a tese da boiada, de serem aprovadas regras de desproteção ao meio ambiente enquanto houvesse distração da sociedade, preocupada com a pandemia.
Também elegeram os símbolos da Lava Jato, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, os quais, exonerados de suas carreiras da Magistratura Federal e Ministério Público Federal ocuparão cadeiras no Senado e Câmara dos Deputados, respectivamente.
Chama a atenção o histórico retrocesso no combate à corrupção no atual governo, apontado em relatórios e índices de percepção da corrupção internacionais, com o aniquilamento da lei de improbidade administrativa, patrocinado por sua base parlamentar, desbotamento da lei da ficha limpa, escândalos graves de corrupção no MEC, que culminou com a prisão do Ministro, bem como na aquisição de vacinas, escândalos envolvendo o vice-líder do governo no Senado Chico Rodrigues flagrado com R$33.000,00 nas nádegas, cujo líder na Câmara enaltece o nepotismo como sistema exemplar.
Neste aniversário de 34 anos da Constituição, vale lembrar a tentativa de se tentar aprovar a PEC da vingança contra o Ministério Público, novamente com apoio do governo, que feriria de morte sua independência, flagrantemente inconstitucional, além da tentativa de se apresentar uma PEC subjugando o STF ao Legislativo em decisões não unânimes (PEC do golpe do centrão). Além da prática corrente do orçamento secreto e da desativação da Operação Lava Jato pela PGR, sem que nenhuma outra estrutura fosse colocada no lugar para combater a corrupção de grosso calibre.
É paradoxal que, neste aniversário dos 34 anos da nossa Carta Magna, apesar de todos estes gigantes e históricos retrocessos e do fim melancólico da Lava Jato patrocinado pelo atual governo, seja declarado apoio público dos ícones da própria Lava Jato ao postulante à reeleição em face de quem (bem como dos filhos parlamentares) pendem suspeitas relacionadas a graves práticas de “rachadinhas” parlamentares e estranhas aquisições de mais de cinquenta imóveis, pagos com dinheiro vivo, ainda que seu oponente tenha sido processado por graves atos de corrupção.
Moro e Deltan ganharam destaque na inicialmente saudável luta contra a corrupção, mas a opção individual de ambos pelo bolsonarismo infelizmente discrepa diametralmente do compromisso com a defesa intransigente do Estado Democrático de Direito.
Antes do atual governo, Lula, Dilma e Temer foram responsáveis por construções legais de extrema importância, incorporadas ao acervo legal anticorrupção, como a lei de acesso à informação, a lei da colaboração premiada, a lei anticorrupção, a lei das estatais, a estruturação da CGU, a celebração do Pacto dos Governos Abertos em 2011 entre outras, além das escolhas de Procuradores-Gerais da República integrantes das listas tríplices da ANPR.
Nos últimos quatro anos, infelizmente o legado é de grave retrocesso, uso abusivo de decretos de sigilo, apagão de dados, que exigiu formação de consórcio de veículos de imprensa para garantir direito de acesso à informação e escolha e recondução de PGR fora da lista.
Nos 34 anos de aniversário, emendamos nossa Constituição inúmeras vezes. Foram 26 apenas nesta legislatura de 4 anos, ao passo que em 233 anos os Estados Unidos emendaram a sua 27 vezes. Lamentavelmente, de forma muito mais naturalizada que o razoável e sem observar a prevalência do interesse público. Que os novos Congressistas reflitam a respeito e iniciem um novo tempo a partir de 2023.
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