Joelson Dias* e Marcelli Pereira**
A Emenda Constitucional n° 97, de 2017, deu nova redação ao § 1º do art. 17 da CR/88, garantindo aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios.
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Ou seja, a modificação do texto constitucional teria assegurado aos partidos políticos plena autonomia para estabelecer a vigência dos seus órgãos provisórios, segundo critérios próprios e não passíveis de controle no âmbito externo.
Entretanto, o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE) já afirmou em diversas oportunidades que “a autonomia partidária não revela um direito absoluto. Não há direito absoluto. (…) a autonomia partidária não pode ser invocada para justificar uma atuação sem limites e regras quanto à definição de seus órgãos, em detrimento do Estado Democrático de Direito.”
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A partir dessa concepção, com base em seu poder regulamentar, o TSE editou a Resolução n° 23.465/2015, dispondo em seu artigo 39 que “as anotações relativas aos órgãos provisórios têm validade de 120 (cento e vinte) dias”.
PublicidadeApós, visando uma maior adequação da norma à autonomia partidária, foi editada a Res.-TSE n° 23.471/2016, com a seguinte ressalva à regra do citado art. 39: “salvo se o estatuto partidário estabelecer prazo razoável diverso “.
E, ainda, no ano seguinte, a Res.-TSE n° 23.511/2017, estabeleceu um prazo de adequação para os partidos políticos, prevendo em seu art. 61 que “a regra prevista no art. 39 desta resolução somente entrará em vigor a partir de 3 de agosto de 2017, cabendo aos partidos políticos proceder às alterações dos seus respectivos estatutos até a referida data, para contemplar prazo razoável de duração das comissões provisórias”.
A matéria está agora regulada pela Resolução do TSE nº 23.571/2018, que dispõe em seu art. 39 que “as anotações relativas aos órgãos provisórios têm validade de 180 dias, salvo se o estatuto partidário estabelecer prazo inferior diverso. ”
Ocorre que o tema voltou a ser o cerne de controvérsias com a aprovação da Lei nº 13.831/2019, que alterou a Lei nº 9.096/1995, prorrogando o prazo de vigência dos órgãos provisórios dos partidos políticos até 8 anos.
Em um primeiro momento, no julgamento da Pet nº 18 da relatoria do ministro Sérgio Banhos, ao se debruçar novamente sobre esse contexto jurídico, o TSE teria afastado a aplicação do comando legal em prestígio ao texto expresso na resolução, mais uma vez em atenção às disposições constitucionais.
Decidiu-se que o art. 3º, parágrafo 3º, da Lei dos Partidos Políticos, ao admitir que órgãos partidários provisórios tenham duração de até oito anos, não se coadunava com a Constituição Federal, justamente por colidir com o princípio democrático.
Em razão dessa decisão do TSE, muitos, com razão, passaram a recomendar, buscando evitar possíveis questionamentos, especialmente na época de realização das convenções partidárias e lançamento das suas candidaturas nas eleições municipais de 2020, que as comissões Provisórias escolham seus diretórios definitivos ou não se apresentem com prazo muito superior a 180 dias, ou requeiram prorrogação de prazo de sua vigência, sob pena de impossibilidade de lançamento/indeferimento de candidaturas nas eleições municipais de 2020.
Ocorre, no entanto, que, em 10 de dezembro do ano passado, no julgamento do RPP nº 060041209 do partido UP – Unidade Popular, cujo acórdão está pendente de publicação, ao analisar novamente o tema, o TSE afirmou que o destinatário natural para a análise da higidez da Lei nº 13.831/2019, que incluiu o § 3º ao art. 3º da Lei nº 9.096/95, é o c. Supremo Tribunal Federal (STF), sendo que há inclusive a ADI nº 6230 já ajuizada com esse propósito, mas que ainda aguarda julgamento pela Corte Suprema.
Em seu voto-vista apresentado no julgamento do caso acima, o ministro Tarcísio Vieira, acompanhado pelos demais ministros, rememorou o quanto decidido anteriormente pelo Tribunal nos autos da Pet nº 18, mas reforçou dizendo que não cabia ao TSE, em processo de natureza administrativa, afastar a presunção de constitucionalidade e, portanto, a aplicação da lei, antes que o STF aprecie o mérito do tema na referida Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).
Pontuou ainda o ministro Tarcísio que “naquela ocasião,(…) a necessidade de obediência à resolução ou à lei não era questão fundamental (…) o enfoque do ajuste naquele caso, foi apenas a regra das prorrogações e não o prazo de duração em si.”
Ao final do seu voto, quanto à determinação para adequação do art. 35 do Estatuto da UP ao disposto no art. 3º § 3º da Lei 9.096/95, o ministro Tarcísio Vieira ressaltou que o partido deveria atentar-se ao que vier a ser decidido pelo STF na ADI nº 6230, devendo o Ministério Público (MP) zelar pela observância de tal questão.
Seguindo, o ministro Edson Fachin afirmou que “quer se esteja de acordo ou não, enquanto não proclamada nenhuma eiva de inconstitucionalidade ou nulidade constitucional da regra, é a regra que incide sobre a matéria.”
Em sentido diverso, mas acompanhando quanto ao resultado, o ministro Roberto Barroso afirmou que “(…) embora o cheiro de inconstitucionalidade seja muito forte, não vejo razão para não aguardamos o pronunciamento do Supremo [STF] em tempo razoável, se ele não vier, e a questão se recolocar aqui, a gente repensa, mas, nesse momento, acho que seria uma precipitação e por essa razão (…)”.
Valerá mesmo esperar por esse importante pronunciamento do STF que, mais que estipular os reais limites da autonomia partidária, espera-se, possa também lançar luzes sobre como garantir a democracia interna nos partidos políticos, em especial a efetiva presença em suas instâncias de deliberação política e lista de candidaturas dos grupos sociais mais vulneráveis.
De qualquer sorte, salvo melhor juízo, ao menos por ora, em razão da decisão mais recente do TSE sobre o tema, e em observância ao princípio da segurança jurídica, aplica-se a legislação vigente, qual seja, a Lei nº 13.831/2019, que alterou a Lei nº 9.096/1995, prorrogando o prazo de vigência dos órgãos provisórios dos partidos políticos até 8 anos.
*Advogado, sócio do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados, Brasília-DF. Ex-Ministro Substituto do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mestre em Direito pela Universidade de Harvard. Presidente das Comissões Nacionais dos Direitos das Pessoas com Deficiência do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB). Membro fundador da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
**Advogada, sócia do escritório Barbosa e Dias Advogados Associados, Brasília-DF. Pós-Graduada em Direito Eleitoral pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Brasília (Brasil). Membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP).
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