Até quando manteremos os políticos e a política no rol de condenados a priori? Quantas vezes mais teremos que ouvir a cantinela de políticos que se dizem não-políticos para ingressar na política, tentando fazer disso a aquisição de um bilhete fura-fila? A artimanha ainda captura votos, baseada na desconfiança ancestral dos povos em relação a seus governantes. Muitos não param para pensar na contradição gritante de se tentar entrar para algo que se condena a priori – “não sou político mas quero entrar… para a política”.
Bem parecido com o fumei mas não traguei. Entro para essa arena, mas ela não entrará em mim; estou nesse mundo, mas não pertenço a esse mundo – sou peregrino e, como tal, puritano. Melhor se não nos deixássemos enganar. Prefiramos a sabedoria de Maffesoli: “Assim como a morte é necessária à vida, dando-lhe sentido e especificidade, o político é uma instância que, na sua acepção mais forte, determina a vida social, ou seja, limita-a, constrange-a e permite-lhe existir”. A política é necessária e os tempos modernos são aqueles dos políticos profissionais, weberianos.
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Até quando aplaudiremos ineditismos vulgares? O nunca antes virou o ne plus ultra. Há os que leram mal a carta de Newton a Robert Hooke: esquecem do pequeno Newton no ombro e se assumem como os gigantes. Na atualidade, só mesmo um Gulliver para ousar reivindicar protagonismos inéditos. Se os césares se divinizaram, os republicanos querem a imortalidade como seres instauradores de novas configurações sociais. Prefiramos a sabedoria do Eclesiastes: o que há de novo sob o sol?
Até quando manteremos a lógica amigo x inimigo? Reproduzindo Carl Schmitt, esquecendo que sua teoria justificou normativamente o morticínio nazista. Democracia e pluralismo são indissociáveis e a convivência e a tolerância são valores fundamentais. Na política democrática a lógica é adversarial – versa-se sobre, versa-se com, con-versa-se com os contrários. Os grandes números eleitorais definem qual é a prosa vencedora da ocasião, mas a cacofonia de todas as prosas do mundo segue como pano de fundo. Enquanto houver cidadãos de bem, qualificados a partir de uma moralidade pretensamente superior, haverá maus brasileiros, de moral inferior, maldita e, portanto, passível de ser proscrita. Parafraseando Voltaire: a proibição dos ismos gera hipocrisia e rebeldia; a multiplicação dos ismos pacifica.
Até quando vamos aceitar a ideia do gozo adiado? As visões edênicas sobre as américas se esgotaram com o descobrimento. Alguns poucos morreram sonhando com Eldorado; alguns muitos lucraram com a exploração do concreto que encontraram. Carregamos no nome de nossa nação a marca da exploração – foi o pau-brasil a primeira vítima dessa lógica. Irônico que a nação do gozo adiado tenha sido anunciada por um prosador estrangeiro, e desesperado. Somente o presente importa agora (tautologia intencional).
Até quando vamos suportar arautos do dever-ser? De cima de seus pedestais, vociferando seus imperativos, revelando seu espírito normativo, sempre tendente ao estado (Estado) de direito e ignorando o estado do ser. O Brasil precisa de construções a partir do que é, em diálogo franco com suas condições de possibilidade sociais, econômicas, culturais e políticas. Paul Valéry nos lembra que “todos os políticos leram a História, mas se poderia dizer que só o fizeram para dela extrair a arte de reconstituir as catástrofes”. Sem isso, teremos novas rodadas de guias cegos conduzindo um povo cego.
PublicidadeAté quando vamos esperar o Messias? Passadas as setenta semanas de Daniel deveríamos acordar, fazer nossa higiene, tomar o café e seguir com a vida. Casar e nos dar em casamento, afinal Noé ainda nem começou com sua arenga. Mas, não! Queremos alguém que venha e diga que só aceitou essa oportunidade porque era a única que restava para que pudesse exercer o seu ministério salvífico. Projetos pessoais camuflam-se como fatalidade e o pretendo líder já ganha o direito de se dizer mártir. Claro que se encontra nessa abnegação uma justificativa a posteriori para a libido dominandi. Prefiramos os que buscam o poder a partir de convicções explícitas de seu merecimento, ainda que equivocadas.
Até quando vamos receber um quilo de ideias prontas e seiscentos gramas de autenticidade, meticulosamente pesados para conferir um tom de empatia pela verdade, e fazer a bolsa subir, o dólar cair, a alegria fluir e o carnaval se antecipar. É muita festa para pouco santo. Até quando vamos dar por verdadeiro o testemunho dos que falam contra si mesmos “eu sempre vou fazer a coisa certa”, ainda que em face do peso de toda a impossibilidade concentrada nessa proposição.
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