Quando escreveu seu Dicionário de Política, o filósofo italiano Norberto Bobbio (1909-2004) pontificou que “os movimentos sociais constituem tentativas, fundadas num conjunto de valores comuns, destinadas a definir as formas de ação social e a influir nos seus resultados”.
Com essa afirmação, ele buscava explicar que os movimentos sociais são os grandes vetores de mudanças sociais, políticas e, consequentemente, da ordem estabelecida em uma sociedade.
Seriam esses movimentos os verdadeiros agentes de mudanças no ambiente coletivo, quando se entende a força da ação política como a força motriz para se alcançar a igualdade e a democracia.
Em sua Autobiografia, Bobbio dizia ter sido educado para “considerar todos os homens iguais e a pensar que não há nenhuma diferença entre quem é culto e quem não é culto, entre quem é rico e quem não é rico. Recordei essa educação para um estilo de vida democrático, mas confesso ter-me sentido pouco à vontade diante do espetáculo das diferenças entre ricos e pobres, entre quem está por cima e quem está por baixo na escala social, enquanto o populismo fascista tinha em mira arregimentar os italianos dentro de uma organização social que cristalizasse as desigualdades”.
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Todas essas reflexões sobre o pensamento de Norberto Bobbio, considerado um dos maiores pensadores do século passado, chegam no momento em que vejo alguns dados de recente pesquisa do Ipec (antigo Ibope), encomendada pelo movimento global Avaaz e Fundação Tide Setúbal, abordando a visão de jovens brasileiros sobre a política. Para os entrevistados com idade entre 16 e 34 anos, a fome, o desemprego e a questão do meio ambiente devem impactar na hora de votar no próximo ano. Mas a maioria, 60% desses jovens, evitam falar de política por medo de serem “banidos” do ambiente social. Na atualidade, o ambiente social é delimitado pelas redes digitais que de sociais têm muito pouco.
Na linguagem dos jovens, não falar de política evita o que seria o “cancelamento”, que é a prática de colocar pessoas em ostracismo digital por ter cometido algum erro, por ter feito alguma manifestação política considerada inadequada.
Veja a que ponto chegamos.
Nada menos que 83% desses jovens consideram que o debate político no ambiente virtual é agressivo e intolerante e 59% não falam de política nas redes digitais com medo de serem “cancelados” ou simplesmente “julgados” no ambiente dessas redes. O mais grave é que esse medo é ainda maior para o grupo de menor renda: 70% dos jovens com renda de até um salário mínimo admitiram não tratar de política com medo de serem “julgados” ou “cancelados”.
Mas nem tudo está perdido. Vi como um dado alentador na pesquisa, nesse grave momento pelo qual passa nosso País, o que revela que 25% dos jovens com idade entre 16 e 18 anos afirmam que eles devem sim atuar na política. Nesta afirmação de esperança deposito minha crença de que podemos sim vencer o medo do banimento ou o receio do julgamento. Não temos o direito de abrir mão da esperança de reconquistar esse País para a ambiência da fraternidade e da democracia.
Não podemos abdicar de nossa missão histórica de reconstruir nossa Nação nas bases sólidas da tolerância e do respeito.
E como efetivar essa atuação se o que vemos há algum tempo é a crescente criminalização da política como estratégia de desestímulo à participação cidadã? Qualquer olhar mais atento sobre a cena política desnuda qual foi a artimanha empreendida com o objetivo único de descredenciar a ação na política. Mas fora da ação da política não temos salvação!
É assim que me sinto no dever de conclamar os outros 75% dos nossos jovens a não abdicarem do legítimo direito de entenderem a política como o campo de atuação para a conquista de direitos e de mudanças do mundo.
É só entender que a política está muito mais presente em nossa vida cotidiana do que podemos imaginar.
A ação política não fica restrita ao ambiente institucional, aos espaços formais onde se exerce o mandato eletivo. O ato político não está limitado às instituições.
Nosso dever de esperança nos obriga a buscar esses espaços de atuação, nos desafia a lutar pelo bem coletivo com a crença que só o sentimento de solidariedade pode proporcionar.
Quando pensamos nas oportunidades de ascensão social dos mais pobres, temos que acreditar que só se dará por meio de ações políticas na educação, por exemplo. Não veremos um país onde o jovem não tenha medo se não for pela afirmativa ação política de construção da igualdade e dos valores da democracia. Onde os iguais podem ser tratados como iguais, sem submissão. Onde movimentos sociais garantam o fim da discriminação racial e lutem pela eliminação ou mesmo redução das desigualdades sociais.
Tudo isso só demonstra que o embate político e as mudanças sociais só ocorrem quando vivemos em uma sociedade democrática, que tem alicerces fincados na seguridade da igualdade e do bem-estar comum. Aí sim, podemos atestar que conquistamos uma democracia saudável.
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