A ciência política está devendo um estudo sério e embasado em pesquisas consistentes – e não apenas nas costumeiras “análises de especialistas” – que explique de forma convincente as razões da (re) emergência em escala planetária das ideologias totalizantes, de corte nazifascista, até aqui rotuladas genericamente de extrema-direita. E, aliada a elas, uma espécie de imbecilização coletiva que impede muita gente de se dar conta do óbvio, obliterada por crenças políticas e religiosas fanatizadas.
Até aqui, as explicações dos “especialistas” relacionam vários fatores. Um deles, o protagonismo das redes sociais com sua superficialidade, que conduz o intelecto para soluções simplistas ou “raciocínios” rasteiros. O que implica na adoção do pensamento utilitário, aquele que refuga ideologias mais complexas – porque exigem esforço de raciocínio. Este conjunto de fatores levaria ao comodismo das ideologias de corte autoritário, nas quais as soluções não dependem de maiorias e muito menos de consensos, mas apenas da imposição da vontade de um autocrata. “Se meu líder diz que isto aqui é o certo então é o certo. Podem até me provar o contrário que eu não acredito”.
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Outro fator seria a própria exaustão das experiências empreendidas em países que adotaram ideologias socialistas e não conseguiram apresentar soluções concretas e rápidas para problemas estruturais como a fome, o desemprego, a saúde e a educação. Esses países tornaram-se terreno fértil para a disseminação das ideias autoritárias, pavimentando o terreno para a penetração de ideários extremistas.
Uma breve remissão histórica da Alemanha nazista e da Itália fascista abre uma fresta para a explicação do crescimento avassalador, em vários pontos do planeta, de líderes e ideologias extremistas na atualidade, com os Estados Unidos de Donald Trump à frente.
Hitler chegou ao poder na Alemanha pós-Primeira Guerra porque o país estava mergulhado numa profunda crise econômica e política. O Tratado de Versalhes (1919), que selou o fim do conflito, impôs duras sanções econômicas e territoriais à Alemanha. O resultado foi um forte sentimento de humilhação e injustiça entre os alemães, amplificada pelas altas taxas inflacionárias, o desemprego em massa e a instabilidade política. Hitler e o Partido Nazista souberam se aproveitar do descontentamento popular, disseminando a retórica antissemita que atribuía aos judeus a culpa pela situação do país. A promessa de resolver a crise associada ao incremento do sentimento nacionalista bateu forte na população desesperada por mudanças. A República de Weimar, estabelecida após guerra, não conseguia se impor porque enfrentava desafios de legitimidade e eficácia. A instabilidade política, que culminou com o incêndio do Reichstag em 1933, minou a confiança no sistema democrático com o crescimento da polarização, e abriu espaço para a implantação do autoritarismo. Hitler aproveitou para suprimir a oposição e suspender as liberdades civis, governando por decreto. Daí até o nazismo, até então força política marginal conseguir crescer, se impor e implantar um regime autoritário, foi um pulo. O Holocausto na 2ª. Guerra foi apenas a consequência, deixando para sempre o alerta sobre a necessidade de vigilância permanente contra ideologias extremistas que brotam com facilidade em tempos de crise.
Na Itália de Mussolini, há estudos consistentes demonstrando a forma como se implantou e se firmou a ideologia extremista enfeixada pelo fascismo. Na base desses estudos está novamente a questão econômica. O “ovo da serpente” teria sua origem lá nas reverberações da 2ª Grande Guerra, mas com raízes nas baixas da Primeira Grande Guerra e de como elas aumentaram o apoio a movimentos de esquerda. Uma das explicações mais primárias tem por base as baixas sofridas pelos soldados italianos na Primeira Guerra, que explicariam o apoio a movimentos esquerdistas e socialistas na eleição de 1919.
“O mecanismo é bastante direto: quanto mais mortes de soldados rasos oriundos de um município, maior é o desalento da população local com sua situação socioeconômica e maior é a proporção de votos que o partido socialista recebeu nestes municípios durante o pleito de 1919, isto é, já no pós-Primeira Guerra”, observa o professor Leandro S. Pongeluppe, da Universidade da Pensilvânia (EUA).
Os municípios que obtiveram mais votos no partido socialista em 1919 foram onde o partido fascista abriu mais filiais entre 1920 e 1922, tudo isso acompanhado de um surto de violência política, deportação de judeus ou pessoas de origem judaica e assassinatos políticos promovidos por estes grupos fascistas no mesmo período. Tanto o professor Leandro Pongeluppe quanto alguns colegas dele, entendem que o crescimento dos votos no partido socialista gerou temor entre latifundiários, comerciantes e em segmentos da classe média. O receio da “ameaça vermelha” levou à organização desses grupos que passaram a responder com violência maior quanto maior fosse o apoio à esquerda na localidade. Os professores aplicaram diversos testes que levaram em conta desde a gripe espanhola até secas regionais, para concluir que o partido fascista italiano foi beneficiário da narrativa da “ameaça comunista” para, assim atrair apoio de diversos setores sociais, particularmente os mais abastados.
Por aqui estão faltando estudos semelhantes. É inacreditável a crença ferrenha, baseada em… coisa alguma, dos seguidores da extrema direita brasileira. Outro dia um amigo, leitor atento de minhas colunas, me enviou um áudio lembrando a impermeabilização implantada nos corações e mentes dos bolsonaristas mais radicais. Sua crença e devoção ao líder não se altera numa vírgula mesmo diante das declarações misóginas – como a de que não estupraria a deputada Maria do Rosário (PT-RS) por achar que ela é muito feia. Ou que só teve uma filha mulher porque deu uma “fraquejada” (e as mulheres continuam dando apoio a ele). Além do racismo nos ataques a negros e homossexuais (que continuam votando nele), sem falar no negativismo vacinal (e as pessoas continuam votando nele mesmo com os 700 mil mortos na pandemia) e nos ataques à democracia como os que acabam de ser revelados no plano golpista exposto no relatório da Polícia Federal (e os apoiador fes acham que ele não teve nada a ver com isso).
O amigo lembrou uma frase de Nietzsche segundo a qual o que explica a política é a psicologia. Ou seja, mesmo quando surgem provas cabais de que um personagem é ladrão, homofóbico, racista, golpista e misógino, entre outros epítetos, a fidelidade de seus seguidores não se abala um pingo. “Isso é tudo invenção desses comunistas de merda!” E fica por isso. O pior é que já andamos tão acostumados, esse quadro negacionista já se naturalizou tanto, que já nem questionamos as razões dessa crença cega. Só que, sem uma explicação racional e bem embasada, não há como pesquisar maneiras de enfrentar e mudar esse quadro. Só a ciência política, associada à psicologia, têm os mecanismos e os instrumentos capazes de oferecer uma explicação fundamentada que ofereça o suporte necessário ao combate ao fanatismo político que hoje domina metade do eleitorado brasileiro. Convenhamos: metade do Brasil não é pouca coisa. É, apenas, assustador.
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