Com Brasília, São Paulo, Goiânia, Belo Horizonte e outras capitais brasileiras tomadas pela fumaça de incêndios florestais na última semana, o governo acionou a Polícia Federal para apurar as suspeitas de ação criminosa em queimadas tanto no interior paulista quanto no sul da Amazônia e arredores. Referência mundial em estudos da crise climática, o cientista Carlos Nobre se soma à tese do governo: de acordo com ele, não há explicação natural para a proporção das chamas espalhadas nos últimos dias.
Meteorologista e climatologista com formação no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, Carlos Nobre é coordenador científico do Instituto de Estudos Climáticos da Universidade Federal do Espírito Santo e coautor da pesquisa vencedora do Prêmio Nobel da Paz de 2007.
Ele explica que incêndios florestais são ocasionalmente esperados no final de agosto em São Paulo, estado mais atingido na última semana. “Essa é a época mais seca, em que o Sudeste tem os ventos mais fortes. Normalmente, quando comparado com os meses do verão, é a época com mais incêndios. Mas nessa última temporada os incêndios aumentaram sem uma explicação: o número de incêndios ao longo do último mês foi sete vezes maior do que em agosto do ano passado”.
Em São Paulo, dois homens foram presos sob suspeita de espalhar gasolina em áreas florestais para atear fogo, um deles alegando haver ordem da facção criminosa Primeiro Comando Capital (PCC). O cientista teme que o Pantanal, Amazônia e Cerrado também tenham sido alvos recentes de queimadas orquestradas pelo crime organizado.
“O que aconteceu nas últimas semanas não parece ser resultado só daquela parcela de pecuaristas que usam o fogo antes de replantar a gramínea, mesmo sabendo que é proibido. Não, o número de incêndios nos últimos meses foi muito grande, e só a questão climática não explicaria isso. (…) É preciso investigar o quanto o crime organizado foi responsável por isso”, declarou.
Novo desafio
A possibilidade de envolvimento do crime organizado em incêndios coordenados assusta o cientista, especialmente ao considerar as dificuldades já enfrentadas pelas forças de segurança ao lidar com facções criminosas: a maioria das operações acaba alcançando apenas uma pequena parcela dos envolvidos. Na escalada de incêndios, ele avalia que não foi diferente. “A Polícia Militar de São Paulo prendeu com sucesso dois envolvidos nessas queimadas. Mas o que vimos foi o maior número de incêndios da história, foram mais de 2,5 mil focos. Eu diria que não foram menos de 500, talvez até mil pessoas ateando fogo”.
O perfil do comportamento das facções criminosas na Amazônia corrobora a tese de interesse nos incêndios. “Eles que fazem a grilagem de terra, eles que desmatam, eles que levam o boi. Se com a diminuição do desmatamento na Amazônia e na Mata Atlântica no ano passado, eles decidem que agora é a hora de derrotar as políticas de preservação dos biomas, esse é o caminho mais fácil”, alertou.
O monitoramento no Brasil é realizado atualmente pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que utiliza imagens em satélite para alertar os órgãos de segurança e proteção ambiental sobre a detecção de tentativas de destruição da vegetação. “São dias e dias para desmatar, então o satélite detecta. Com isso, tanto os órgãos federais quanto estaduais conseguem interferir. O crime organizado certamente percebeu que, com essa abordagem, eles são facilmente presos”.
Incêndios florestais, porém, passam por uma elaboração discreta, precisando apenas de poucas pessoas espalhando combustíveis pelo local. “Eles botam fogo em minutos, no máximo horas, e o satélite só detecta quando é tarde demais e não tem mais ninguém ali”.
Com incêndios reiterados na mesma região ao longo de poucos anos, criminosos podem acabar conseguindo desmatar toda a área desejada, transformando o local em pasto e abrindo espaço para continuar com a grilagem de terras.
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