O filme alemão “A Onda”, dirigido por Dennis Gansel, é um bom e perturbador caminho para se entender o poder de atração de líderes e regimes autoritários. Bom e perturbador porque se baseia em um experimento real, ocorrido na realidade não em uma escola alemã, como o filme retrata, mas nos Estados Unidos. É um bom caminho para se tentar entender por que grandes massas acabam caindo na esparrela do autoritarismo. E por que depois permanecem tão renitentes a se separar dessa esparrela, se apegando ao máximo a fios de esperança mesmo quando todas as evidências já apontam que nada mais daquilo faz sentido.
“A Onda” transfere para uma sala de aula alemã um experimento que de fato foi feito por um professor nos Estados Unidos para verificar os efeitos daquilo que Freud chamou de “psicologia das massas” e Gustave Le Bom de “psicologia das multidões”: como grandes grupos atuam em forma de rebanho e como são facilmente atraídos por lideres carismáticos e autoritários. Sem dizer aos alunos qual é a origem das ideias, o professor vai aplicando conceitos do nazismo na turma. E vai conquistando, assim, a adesão dos alunos que cada vez mais o enxergam como um líder a ser seguido. Até tudo fugir tragicamente do controle.
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Uma das coisas que o filme deixa claro é que esses projetos de autoritarismo são a festa dos medíocres. Individualmente, aderem mais facilmente a tais ideias autoritárias aqueles que em condições normais menos se destacam. Até porque uma das características das massas é a anulação da individualidade para que o grupo funcione como um só organismo. Valorizados ali pelo grupo, encontram um ambiente de pertencimento que não tinham antes. Até porque tudo o que se espera ali deles é obediência cega, sem maiores contestações e avaliações críticas.
E é por isso que se torna depois difícil aceitar o fim de tal processo. Porque essa derrota significará o retorno à mediocridade de antes. Assim é com os que acampam hoje em frente aos quarteis, aferrados por falsas expectativas de fraude levantadas pelo dúbio e covarde relatório das Forças Armadas que, por ser dúbio e covarde, demonstra que de fato não haverá nenhuma intenção de apoiar rupturas democráticas. Mas é duro aceitar a realidade e o retorno á mediocridade de antes.
A situação começa pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, agora mudo e enclausurado no Palácio da Alvorada. Bolsonaro parece imaginar ser o grande líder de tudo, quando, na verdade, não é. O movimento de extrema-direita do qual faz parte é mundial. Há idealizadores de tudo isso espalhados pelo planeta. Que enxergaram a possibilidade de avanço das suas ideias no maior país da América Latina. E assim perceberam que havia a possibilidade de promover a ascensão ao poder de um deputado federal que sempre foi medíocre. Nunca exerceu no Congresso um cargo de liderança, uma posição de comando.
A coisa fluiu para dar a Bolsonaro, então, esse verniz de pseudoliderança. E, então, outros medíocres se agregaram. O ultraliberal Paulo Guedes nunca foi considerado um economista da linha de frente do pensamento econômico brasileiro. Tornou-se o “Posto Ipiranga”, com cada vez menos combustível à medida que o governo avançava. Ernesto Araújo era um diplomata que sequer tinha sido embaixador. Tornou-se chanceler enquanto revia seus conceitos para embarcar na aventura bolsonarista. Abraham Weintraub era alguém ridicularizado pela academia. Tornou-se ministro da Educação. Mario Frias o eterno “Malhação” cuja qualidade como ator era pouco reconhecida pelos colegas. Virou secretário de Cultura.
É verdade que esse processo às vezes também colhe nomes com maior reconhecimento, que, assim, jogam fora suas biografias. Casos das atrizes Regina Duarte e Cássia Kiss. Mas a lista de medíocres que ascenderam e não ascenderiam em outras circunstâncias é imensa.
Em determinado momento do filme “A Onda”, o professor começa a perceber que as coisas estão saindo do seu controle. E tenta acabar com o experimento. Mas aí já parece tarde demais. Os alunos vão espalhando as ideias autoritárias pela cidade. Não aceitam mais o retorno à realidade. São, então, como os memes que agora brincam com a situação dizendo que os acampados pedem “intervenção militar nas Forças Armadas”.
Tudo isso poderia ser cômico se não tivesse o risco de ser trágico. O que Le Bom e Freud mostram é que as massas, ao reduzirem o sentido de individualidade, fazem com que o sentido de responsabilidade individual desapareça. O indivíduo renuncia do seu interesse pessoal em nome de um tal interesse coletivo. “Ele já não é ele mesmo, é um autônomo cuja vontade tornou-se impotente”, escreve Le Bom.
Le Bom diz que, nessas circunstâncias, prevalecem as características primitivas e, portanto, acaba prevalecendo a violência. Fantasias tornam-se reais. Por isso, é tão difícil sair desse transe. Muita gente ainda vai demorar para acordar do seu pesadelo…
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