A discussão que percorre amplos setores da população neste momento – em quem votar para presidente no próximo dia 26 – também ocorre no interior da chamada esquerda socialista de nosso país. O PSTU e o PCB definiram apoio ao voto nulo. O Psol divulgou nota chamando voto contra Aécio, e sua bancada parlamentar federal chama o voto em Dilma. O argumento: seria o “menos ruim” ou, dito de outra forma, para evitar o “mal maior”. Sem dúvida, um raciocínio que navega a favor da corrente de pressão em favor do voto útil em Dilma para evitar a volta do PSDB. Mas é um raciocínio correto? Escrevo esta nota para problematizar um pouco este debate.
A candidatura de Aécio Neves, do PSDB, recebe merecido repúdio de parcelas amplas da classe trabalhadora e, em particular, da esquerda. Sim, merecido, porque esta candidatura representa diretamente os interesses dos bancos, multinacionais e da maioria do grande empresariado (maioria, pois uma boa parte segue apoiando Dilma).
O PSDB, quando governou o Brasil com FHC, quebrou o monopólio estatal do petróleo, privatizou o setor de telecomunicações e grande parte do setor de energia. Atacou os direitos dos trabalhadores aplicando um modelo econômico sob encomenda para atender os interesses do sistema financeiro e do grande empresariado. No governo, o PSDB reprimiu e criminalizou fortemente as lutas dos trabalhadores. Os petroleiros nunca vão se esquecer dos tanques do Exército dentro das refinarias para reprimir sua greve em 1995. Nada diferente do que faz Geraldo Alckmin em São Paulo ou o próprio Aécio quando governou Minas Gerais. Não por acaso, esta candidatura é o endereço natural do apoio dos setores direitistas e reacionários de todas as matizes.
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É preciso diferenciar desta situação àqueles trabalhadores que, cansados de esperar as mudanças prometidas pelo PT e revoltados com a traição deste partido, resolveram dar um “voto castigo” no PT votando em Aécio. Não são poucos.
Entendo a revolta destes trabalhadores, mas quero dizer que acho um erro terrível a decisão de votar no PSDB. Aécio, no governo, não vai castigar o PT, vai castigar e atacar duramente a nós trabalhadores, aposentados, as mulheres, a juventude, especialmente a juventude negra e pobre das periferias. Vai reprimir duramente nossas lutas. Não vai realizar nenhuma das mudanças que queremos e necessitamos. Pelo contrário, vai aumentar a exploração, as privatizações e desmontar ainda mais os serviços públicos. Ele vai tentar jogar os custos da crise econômica que se aproxima nas nossas costas para salvar os lucros astronômicos dos bancos e das grandes empresas.
No entanto, tampouco podemos dizer que as mudanças virão da continuidade do governo do PT, ou seja, com a reeleição de Dilma. Os 12 anos de governo do PT, contrariando as expectativas que os trabalhadores tinham quando este partido chegou ao governo, não deixam lugar a dúvida: quando decidiu se aliar aos bancos e grandes empresas, para ganhar as eleições e, depois, para governar, o PT perdeu qualquer condição de mudar o país para beneficiar o povo. Os governos do PT aplicaram programas que diminuíram a miséria e o sofrimento de uma parte da parcela dos mais pobres do país, mas poderiam e deveriam ter feito muito mais e não fizeram. Isto porque continuou a privilegiar os interesses e lucros dos bancos e das grandes empresas como fazia o governo anterior. Nos governos do PT, os bancos e grandes empresas tiveram ainda mais lucro do que com FHC.
É para os bancos que segue sendo canalizado o grosso da riqueza produzida pelo trabalho do povo. Isso fica claro quando se compara o que o governo petista gasta do orçamento com os pobres e com os banqueiros. O Bolsa Família consome cerca de R$ 24 bilhões/ano. Já a “Bolsa Banqueiro” consome cerca de R$ 900 bilhões/ano para o pagamento da mal chamada dívida pública aos banqueiros e especuladores do sistema financeiro. Qual é mesmo a prioridade? É o Bolsa Família? Ainda tem os subsídios fiscais para o grande empresariado enquanto a saúde, educação e o transporte público agonizam num completo caos, sacrificando a população pobre que depende dos serviços públicos. Sem falar que as privatizações que FHC começou continuam no governo petista, a exemplo dos leilões do pré-sal.
Aécio defende a redução da maioridade penal como forma de aumentar ainda mais a criminalização das lutas e da pobreza. E Dilma propõe expandir o sistema de repressão utilizado durante a Copa do Mundo contra as greves e os movimentos sociais. Não custa lembrar, para reprimir as manifestações contra as injustiças da Copa do Mundo, o governo usou a Força Nacional de Segurança, Polícia Federal e o Exército Brasileiro. As duas candidaturas são financiadas pelos mesmos bancos, empreiteiras e grandes empresas do agronegócio. Se eleitos, vão governar para estas empresas e não para os eleitores que votaram nelas.
Ou seja, as mudanças que os trabalhadores precisam para que todos possam ter vida digna não virão da candidatura do PSDB. E tampouco virão da continuidade do governo petista. São duas alternativas que atendem aos interessas do grande empresariado. Não há alternativa “menos ruim”. As duas vão atacar os trabalhadores depois das eleições, por isso o desafio imediato é organizar a luta para resistir e defender nossos direitos. Os trabalhadores precisam construir nas lutas e nas ruas a sua própria alternativa, classista e socialista que possa, de verdade, mudar o país.
Uma alternativa de classe e socialista implica defender um programa anticapitalista, que aponte para as mudanças que o país precisa para avançar rumo a uma sociedade socialista, livre das injustiças e desigualdades em que vivemos hoje. Um programa que garanta o salário mínimo igual ao calculado pelo Dieese (em torno dos R$ 2,9 mil); redução da jornada de trabalho sem redução dos salários e o fim das terceirizações; aplicação de 10% do PIB para a educação e para a saúde pública já; transporte público de qualidade com tarifa zero, fim das máfias do transporte e estatização deste serviço público; fim do fator previdenciário já e a anulação da reforma da Previdência de 2003; suspensão imediata do pagamento da dívida pública aos banqueiros e auditoria dos contratos desta dívida; proibição de remessa de lucros das multinacionais e bancos para o exterior; estatização do sistema financeiro; nacionalização da terra com a expropriação do latifúndio e das grandes empresas do agronegócio para fazermos uma ampla reforma agrária no país; fim da criminalização dos movimentos sociais e das lutas, desmilitarização das PMs e fim do genocídio da juventude pobre e negra das periferias; combate ao machismo, ao racismo e à LGBTfobia; dentre outras questões.
Um programa como esse não vai ser defendido e muito menos realizado pelo candidato do PSDB, mas também não pela Dilma do PT. Só um governo dos trabalhadores, sem patrões, pode garantir estas mudanças.
Porque o voto nulo?
As eleições em nosso país são controladas pelo poder econômico, muito longe de qualquer coisa que se possa dizer democrática. Mas o voto não deixa de ser um gesto político. Gesto que fortalece politicamente quem o recebe. Se tanto a alternativa estratégica que queremos construir, como os desafios da luta imediata nos colocam em um campo oposto ao da candidatura do PSDB, mas também em um campo oposto ao da candidatura do PT, não é razoável chamar o voto (ou seja, fortalecer) qualquer destas duas candidaturas. É evidente que não se pode indicar o voto em Aécio, por todo o retrocesso que representa para os trabalhadores. Mas se dizemos que o PT está aliado aos bancos e grandes empresas e governa para eles e não para nossa classe, como explicar uma indicação do voto em Dilma?
Não há apenas duas alternativas para os trabalhadores nas eleições – votar em Dilma ou em Aécio. Os trabalhadores podem negar o voto aos dois, pois o voto fortalece quem o recebe. Podem votar nulo, ao mesmo tempo em que fortalecem sua organização e se preparam para a luta contra os ataques que virão.
Infelizmente, quando dirigentes do Psol fazem campanha para a Dilma neste segundo turno acabam por fortalecer ilusões entre os trabalhadores de que um governo do PT, em aliança com banqueiros, empresários e com partidos e políticos burgueses como Sarney, Collor, Maluf, Jader barbalho, possa ser “menos ruim”. E faz isso justo no momento em que estas ilusões já começaram a se dissipar na cabeça de milhões de trabalhadores brasileiros que estão rompendo com o PT, cansados de suas traições. É importante registrar que, mesmo uma parte dos trabalhadores que estão votando no PT, o fazem mais por medo da volta do PSDB do que por esperança neste partido.
O maior de todos os prejuízos causado à classe trabalhadora brasileira por Lula e pelo PT foi desconstruir o campo de independência de classe, construído pelos trabalhadores brasileiros em suas lutas heroicas no final dos anos 70 e nos anos 80. Foi ferrenha a luta travada por Lula e pelo PT para levar os trabalhadores a um campo de colaboração de classes, de aliança dos trabalhadores com a classe dominante. Ao ceder à ideia do “mal maior”, estes dirigentes do Psol atuam, além de tudo, para legitimar uma campanha reacionária que setores do PT não se cansam de fazer contra qualquer intento de nossa classe em se mobilizar ou se organizar de forma independente dos patrões e do governo: a acusação de “fazer o jogo da direita” para, com este raciocínio, tentar aprisionar os trabalhadores no casulo do apoio ao PT e ao seu governo de aliança com a burguesia, negando-lhes o direito a uma alternativa de independência de classe e socialista para o país.
A defesa que o PSTU faz do voto nulo neste segundo turno se impõe por uma visão oposta, ou seja, a de buscar fortalecer e desenvolver a organização e a luta dos trabalhadores em base a um critério de independência de classe e para construir uma alternativa operária, de luta e socialista para o Brasil. Esta é a necessidade maior da classe trabalhadora e, portanto, o desafio fundamental da esquerda socialista em nosso país.
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