Há um importante ponto nebuloso na história das joias presenteadas pelo governo de Arábia Saudita a Jair Bolsonaro e sua mulher, Michelle. Aliás, é bondade demais chamar de ponto nebuloso. É grande o suficiente para melhor chamarmos de nevoeiro.
Normalmente, presentes são trocados em visitas de chefes de Estado. Nessas visitas, é costume diplomático que cada um dos governantes entregue ao outro algum presente. Se tivesse sido assim, os dois conjuntos de joias da Chopard poderiam agora ser consideradas como um exagero do milionário príncipe saudita, Mohamed bin Salman. Não há precedentes de presentes tão caros trocados por chefes de Estado do que o conjunto de joias de diamantes destinado a Michelle, avaliado em R$ 16,5 milhões. O outro conjunto, de joias masculinas, que efetivamente chegou às mãos de Bolsonaro, vale R$ 400 mil. O que é bem menos, mas também não é pouco.
Mas, além do valor absurdamente milionário das joias, o que provoca todo esse nevoeiro é o fato de que elas não foram entregues numa troca de presentes entre chefes de Estado. Foram entregues ao então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, em uma visita dele à Arábia Saudita. E entregues de uma forma totalmente velada. Na foto oficial, o presente entregue a Bento Albuquerque foi o cavalo de ouro, que seu assessor, Marcos Soeiro, trouxe de forma tão descuidada que a estátua quebrou no caminho.
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Bento Albuquerque recebeu dois conjuntos de joias que, somados, chegam a quase R$ 17 milhões e os trouxe para o Brasil de forma escondida. Sem declarar à Receita. O conjunto masculino passou. E o feminino, que estava na mochila de Soeiro, foi percebido pela Receita e retido. Encontra-se até agora no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo.
Por que o governo da Arábia Saudita entregou de presente joias milionárias a Bolsonaro e sua mulher sem dar qualquer publicidade a isso? Por que a equipe de Bento Albuquerque tratou de trazer essas joias de forma escondida? Por que Bolsonaro pegou o conjunto destinado a ele e levou-o para casa como se dele fosse? E ainda insiste, o que é de pasmar, em afirmar que se tratou de um presente “personalíssimo”.
É preciso recorrer ao velho ditado popular. Se tem rabo de jacaré, couro de jacaré, boca de jacaré, corpo de jacaré, então provavelmente é mesmo um jacaré. Se tem cara de propina, cheiro de propina, valor de propina e tentou entrar no país com jeito de propina, então provavelmente era mesmo propina.
No dia 30 de novembro de 2021, o governo brasileiro vendeu ao governo saudita a refinaria Landulpho Alves, localizada na cidade de São Franciso do Conde, na Bahia. Oficialmente, quando Bolsonaro encontrou-se com um príncipe árabe, no caso Mohamed Bin Sayed Al Nahyan, o que ele deu a ele de presente foi uma singela camisa da seleção brasileira.
Existe relação entre a entrega velada das joias e a venda da refinaria? É preciso investigar. O fato, porém, é que foi a venda de uma refinaria, em Pasadena, nos Estados Unidos, o que começou a desgastar a ex-presidente Dilma Rousseff antes do seu processo de impeachment. Uma venda que entrou no rol de coisas investigadas pela Operação Lava Jato.
Talvez o episódio das joias tenha mesmo retirado de Bolsonaro a possibilidade de manter o discurso que sempre foi e pelo qual foi eleito de que não era corrupto e seu governo combatia a corrupção.
O tamanho desse estrago será inclusive medido por seu partido, o PL. A legenda comandada por Valdemar Costa Neto encomendou ao Instituto Paraná Pesquisas um levantamento para medir o quanto está esgarçada a popularidade de Bolsonaro e a sua real capacidade de liderança. O nevoeiro, porém, continua. Só o aprofundamento das investigações irá dissipá-lo.
Parabéns pelo artigo. Muito lúcido e bem escrito