Leonardo Barros Soares *
Fabiano Santos **
As políticas públicas voltadas para o meio ambiente – mais especificamente, seu rápido e profundo desmantelamento – foram temas centrais do governo Bolsonaro desde seu início. É de conhecimento público que o presidente da República se apresenta como um adversário frontal do que considera um “excesso regulatório” no campo ambiental que travaria investimentos, inibiria atividades econômicas e, no limite, condenaria o país ao subdesenvolvimento.
Assim, sua administração agiu de forma deliberada para suspender multas ambientais, bloquear ações de fiscalização por parte do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e fazer vista grossa para atividades de madeireiros e garimpeiros em áreas de proteção ambiental. Tornou-se tristemente célebre a reunião ministerial (22/04/2020) em que o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, argumentava que seria importante aproveitar a oportunidade, já que a imprensa estava com os holofotes voltados para a escalada da pandemia de covid-19 no país, para, em suas palavras, “passar a boiada”, isto é, promover um amplo conjunto de desregulações legislativas infraconstitucionais que visava, em última instância, desconstruir o sistema de proteções ambientais erigido no país após a Constituição de 1988. Não surpreende, portanto, que os últimos quatro anos tenham sido testemunhas de níveis sem precedentes de desmatamento ilegal e queimadas na Amazônia e no Pantanal, da contaminação em larga escala de rios devido ao garimpo predatório e do desprezo absoluto pela institucionalidade em torno dos direitos ambientais.
Leia também
Em outras palavras, o tema do meio ambiente se politizou enormemente em anos recentes e envolveu um conjunto impressionante de atores nacionais e internacionais em debates sobre as soluções para a emergência climática global e o papel estratégico do Brasil. Nesse sentido, sua importância para o já histórico ciclo eleitoral de 2022 não pode passar despercebida pelas análises de conjunturas políticas mais amplas.
A partir de agosto, o Observatório das Eleições, uma iniciativa desenvolvida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação (INCT/IDDC), ofertará à sociedade brasileira um conjunto de análises críticas relativas ao processo eleitoral de 2022. Para tal, reúne um time de peso de cientistas políticos oriundos de importantes universidades públicas e institutos de pesquisa que se debruçarão sobre um conjunto variado de assuntos, desde os campos tradicionais de análise tais como as articulações para os legislativos federal e estadual e os desafios enfrentados pela Justiça Eleitoral até a importância da mobilização de novos atores coletivos, passando por discussões acerca de gênero, raça, a desinformação nas redes e seus impactos na esfera pública nacional. O tema do meio ambiente, como não poderia deixar de ser, aparece com destaque no rol de temas que serão abordados.
Nesse texto inicial buscamos sintetizar, ainda que de forma incipiente, o que entendemos que está em jogo nos próximos meses no que se refere ao meio ambiente em toda a sua complexidade. Artigos semanais, em parceria com colaboradores e colaboradoras, abarcarão um variado conjunto de temas conjunturais e estruturais, dentre os quais gostaríamos de destacar apenas alguns, sem a pretensão de esgotarmos a lista do que será debatido nas semanas seguintes.
Em primeiro lugar, parece central buscar respostas para a seguinte pergunta: os candidatos e candidatas aos cargos proporcionais e majoritários encampam agendas que aprofundarão ou, ao contrário, tentarão reverter o profundo desmantelamento e desinstitucionalização sofridos pelas políticas públicas para o meio ambiente durante o governo Bolsonaro? Nesse sentido, o monitoramento das principais plataformas políticas apresentadas pelas candidaturas fornecerá um material de análise precioso para melhor compreendermos o que esperar dos mandatários e das mandatárias para os anos vindouros.
Outro ponto é o das articulações e agendas legislativas e de políticas públicas de candidatos e candidatas tradicionalmente afiliados às bancadas – formais ou informais – que se organizam no Congresso Nacional e nos legislativos estaduais. Falamos aqui não apenas da já conhecida Frente Parlamentar da Agropecuária, mas também das bancadas financiadas por mineradoras e empresas de fertilizantes e agrotóxicos, para ficarmos em apenas alguns exemplos. Como madeireiros, grileiros e garimpeiros estão se organizando para ocuparem os cargos em disputa?
Também pretendemos lançar luz para as disputas que se darão em nível estadual. Em que pese o tema do meio ambiente ser fortemente federalizado, as políticas estaduais de preservação ou degradação ambiental também contribuem para a composição do quadro analítico mais amplo. Com especial destaque devem figurar as análises relativas aos estados mais conflagrados na questão ambiental, notadamente aqueles que compõem a Amazônia Legal e a região Centro-Oeste, bastião político do setor do agronegócio no país.
Por fim, mas não menos importante, numa lista que não se esgota aqui, destacamos como de especial relevância para essas eleições a discussão sobre as candidaturas de atores políticos que se apresentam – muitas vezes, pela primeira vez – à arena eleitoral como contrapontos à agenda antiambiental. Indígenas, quilombolas, ativistas, cientistas e mesmo agentes oriundos dos quadros do Ibama e da Polícia Federal deverão se lançar candidatos em número significativo. O que podemos esperar, em termos eleitorais, desse movimento de reação à atual conjuntura de ataque aos direitos ambientais?
O conjunto de temas abordados acima é apenas uma amostra da complexidade política que certamente estará envolvida no debate sobre o meio ambiente durante o próximo ciclo eleitoral. Dizer que as eleições de 2022 são as mais importantes para o Brasil pós-Constituição de 1988 não é mero exagero de retórica. De um lado, está a possibilidade de uma intensificação catastrófica da agenda radicalmente antiambiental desenvolvida com afinco durante os anos do governo Bolsonaro. De outro, há a possibilidade real e inédita da conformação de grandes coalizões ambientalistas no Congresso Nacional e nos legislativos estaduais que possam reverter o desmonte legislativo e político enfrentado pelas políticas públicas de meio ambiente.
O meio ambiente está em uma encruzilhada decisiva nestas eleições: haverá um impulso definitivo para a desconstitucionalização dos direitos ambientais ou, ao contrário, estamos diante de uma janela de oportunidade que pode alterar a relação do país com seus biomas, rios, oceanos, fauna e flora?
* Leonardo Barros Soares é professor do Departamento de Ciências Sociais da UFV e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPA. Mestre e doutor em Ciência Política pela UFMG, com período sanduíche na Université de Montréal. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas.
** Fabiano Santos é doutor em Ciência Política pelo Iuperj. Professor e pesquisador do Iesp-Uerj. Vice-coordenador do INCT IDDC. Especialista em poder legislativo e instituições políticas brasileiras.
Esse artigo foi elaborado no âmbito do projeto Observatório das Eleições 2022, uma iniciativa do Instituto da Democracia e Democratização da Comunicação. Sediado na UFMG, conta com a participação de grupos de pesquisa de várias universidades brasileiras. Para mais informações, ver: www.observatoriodaseleicoes.com.br. |
Deixe um comentário