Eu achei que era uma piada, ou que era um daqueles memes irônicos que circulam na internet sobre assuntos importantes, mas não era. Juro que vi um deputado, no Congresso Nacional, em Brasília, fazendo uso do microfone para comparar o salário dele ao dos jogadores de futebol. E qual era o contexto? Esse episódio ocorreu no dia em que a Câmara aprovou o reajuste salarial de parlamentares, a toque de caixa e no apagar das luzes do ano legislativo, para R$ 46,3 mil. Cifra a ser alcançada em quatro anos. O mesmo valor do salário do presidente da República e dos ministros do Supremo Tribunal Federal, teto do funcionalismo público.
O nobre deputado quis demonstrar o conceito de que tudo na vida é relativo, ou seja, relativamente aos mega salários de jogadores de futebol, que, segundo ele, prestam um serviço menos relevante do que os ilustres parlamentares, eles ganham uma miséria. O deputado pelo menos admite que ganha mais do que os cidadãos que pedem dinheiro nas ruas. Ele sabe muito bem o que está acontecendo nas esquinas do Brasil, e, mesmo assim, defende o indefensável aumento do próprio salário.
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Na mesma sessão, o Congresso também aprovou o aumento de funcionários do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública – os que são famosos e conhecidos como a “nata” do funcionalismo público. Esses reajustes terão um impacto de R$ 2,5 bilhões no orçamento de 2023. Ou seja, não é dinheiro de pinga, em especial num momento em que o que mais se discute é de onde sairão os recursos para oferecer o auxílio de R$ 600 aos brasileiros que estão vivendo das esmolas que lhes são dadas.
Esse assunto de reajuste salarial da elite do funcionalismo público e dos representantes do povo sempre será muito controverso e carregado de polêmicas. Afinal, está cristalizado no imaginário do brasileiro que os políticos ganham muito, trabalham pouco e, quando trabalham, não ajudam em nada para transformar a vida da população. Os políticos são figurados como sujeitos que apenas defendem seus interesses próprios. Além disso, o discurso desse parlamentar não colaborou em nada para alterar minimamente essa percepção, considerando que estamos num país onde temos tantas pessoas passando por maus bocados, o tema gera ainda mais controvérsia.
Esse discurso do deputado, que foi muito infeliz, contribuiu para piorar a já esgarçada reputação dos políticos. Escuto, com frequência, muitos impropérios de cidadãos e cidadãs, quando se referem aos políticos: corruptos, ladrões e mentirosos, por exemplo. No meu mundo ideal, enquanto tivermos esses números absurdos de brasileiros e brasileiras desempregados, desassistidos e vivendo de forma indigna nas ruas, eu preferiria que os políticos não tivessem que ir defender no plenário do Congresso Nacional o aumento dos seus salários. No entanto, não temos esse nível de consciência entre nossos mandatários e, infelizmente, ainda nos deparamos com cenas como as que eu juro que vi: um deputado comparando o seu salário ao de jogadores de futebol e usando isso para legitimar o que não tem nenhuma justificativa.
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