O formato mais aberto proposto pela Band e aceito pelos dois candidatos que disputam a Presidência da República no segundo turno fez bem à democracia. Livres em dois dos blocos para confrontarem o adversário no que quisessem, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Jair Bolsonaro, do PL, que disputa a reeleição, puderam escolher ali o que queriam perguntar ao adversário e onde ficavam mais ou menos confortáveis para responder.
O resultado é que ficaram claros quais são os pontos maiores de fragilidade das duas candidaturas. E também ficou bem claro porque esses são os maiores pontos de fragilidade. Lula e Bolsonaro tropeçam exatamente diante daquilo que negam, que tentam esconder e que insiste sempre em transparecer de forma evidente. O debate deixou clara a falta que faz sempre uma autocrítica, aquela humilde avaliação que todos nós devemos fazer a respeito dos nossos erros e de como devemos corrigi-los.
Veja o comentário em vídeo:
No primeiro bloco do debate, quando a discussão girou em torno da condução do governo na pandemia de covid-19, Lula conseguiu bater forte em Bolsonaro. O presidente que tenta a reeleição tossia, numa evidente reação nervosa. Por quê? Porque não há a menor possibilidade de Bolsonaro reunir argumentos minimamente satisfatórios para explicar por que chamou a covid-19 de “gripezinha”, por que debochou da cara dos doentes, rindo ao imitar o drama da morte por asfixia, por que ignorou as dezenas de pedidos da Pfizer de oferta de vacina, por que botou um general incompetente com cara de Sargento Garcia para cuidar do Ministério da Saúde, por que, enfim, criou uma situação que joga nas suas costas pelo menos parte substancial das mais de 700 mil mortes na pandemia.
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Alguns países do mundo tiveram uma primeira impressão semelhante à de Bolsonaro sobre a covid-19. De que não seria algo tão grave, que não seria preciso fazer um isolamento rigoroso. E corrigiram o rumo quando perceberam que se tratava de um grave erro de avaliação. O caso mais notório foi a Inglaterra. Tratar a covid-19 como doença séria não era uma questão ideológica. Era uma questão de bom senso. Bolsonaro e a sua matriz norte-americana, Donald Trump, não tiveram esse bom senso. Trump acabou derrotado nos Estados Unidos.
Já no final do debate, quando a discussão girou em torno do escândalo do petrolão, das denúncias de corrupção na Petrobras, foi Bolsonaro quem conseguiu bater forte em Lula. A falta de tranquilidade de Lula aí ficou evidente no erro de administração do seu tempo. Gastando muito tempo para tentar se explicar, Lula esgotou sua reserva e deu a chance de Bolsonaro passar mais de cinco minutos falando sozinho.
Antes mesmo do petrolão, ainda no mensalão, Lula e o PT foram instados a rever alguns métodos. Após o mensalão, quando estava na presidência do partido, o ex-ministro da Justiça Tarso Genro propôs o que chamou de “refundação do PT”. Significava punir de fato responsáveis e, a partir dali, estabelecer novos métodos de condução. Mas Lula recuperou sua popularidade, reelegeu-se presidente e foi Tarso quem acabou deixando o comando do partido com suas ideias. Depois, surgiram as denúncias na Petrobras e o resto virou história.
Impressionou a dificuldade de Lula em tratar do tema. Ficou claro que, a essa altura, fica impossível simplesmente ficar negando o que se tornou evidente, como muitas vezes ao longo dos últimos anos o PT ensaiou. Mas, então, pela falta de uma avaliação mais profunda, Lula também não consegue claramente dizer o que, para ele, de fato aconteceu e onde o PT foi injustiçado. O máximo de resposta que consegue é dizer que se pessoas foram punidas é porque houve investigação, o que não deixa de ser verdade, mas não responde se as lições ali foram aprendidas nem se os erros não serão novamente cometidos.
E, da mesma forma, Bolsonaro não consegue respostas satisfatórias para o que, na melhor das hipóteses, foi ignorância, terraplanismo. Mas que pode ter isso bem além disso diante da possibilidade de esquemas de corrupção armados. Não há brasileiro que não tenha um parente ou amigo vítima da covid. E todos foram testemunhas da sua falta de empatia.
A arrogância em alguns momentos, a forte popularidade que ambos têm diante dos seus grupos mais fieis e a forma como se apoiam nessas bolhas pode explicar a falta dessa autocrítica. Que conseguiu levá-los até onde chegaram. Mas agora eles precisam convencer mais gente de que um seria melhor opção que o outro. Quando não falam para os convertidos, tropeçam. É o que o debate deixou evidente.
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