Malu Ribeiro e Gustavo Veronesi *
A Agenda de Ação da Água, com mais de 700 compromissos firmados, foi o principal resultado da Conferência da Água da Organização das Nações Unidas, que aconteceu em Nova York entre 22 e 24 de março. Após quase 50 anos, a ONU enfim voltou a colocar o tema no centro das discussões globais e chamou a atenção dos países e da sociedade para ações conjuntas voltadas a acelerar a implementação das metas assumidas na Agenda 2030 e na Agenda do Clima. A água, recurso essencial à vida, reflete diretamente os impactos das mudanças climáticas, impondo às nações medidas de cooperação voltadas à adaptação, mitigação, restauração e uso sustentável.
A universalização do saneamento e a urgente necessidade de conter o desmatamento nas florestas – responsáveis por manter o ciclo hidrológico e garantir água em qualidade e quantidade – estão entre os maiores desafios do Brasil nessa agenda. Diante disso, a ONU reconheceu a restauração da Mata Atlântica como uma das dez iniciativas mais promissoras do mundo pela Década da Restauração de Ecossistemas. O trabalho liderado pelo Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e pela Rede Trinacional de Restauração da Mata Atlântica reúne organizações da Argentina, Brasil e Paraguai, entre elas a SOS Mata Atlântica. A meta é, até 2030, ter 1 milhão de hectares restaurados ou em processo de restauração no bioma.
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Além desse compromisso, a expectativa das organizações civis presentes na Conferência era que o Brasil recuperasse um papel de destaque na Agenda de Ação da Água, reconhecendo oficialmente o acesso à água limpa como direito humano – algo que as Nações Unidas proclamaram em 2010. Assim, durante o evento, João Paulo Capobianco, secretário-executivo do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e chefe da delegação brasileira, ressaltou o papel das florestas para garantir água para a população e reforçou o compromisso do país com o desmatamento zero, declarando que a água é um direito humano básico dos cidadãos.
Foi a primeira vez que o Brasil colocou a água como um direito humano perante a comunidade internacional. Uma proposta de emenda à Constituição (PEC 06/2021) está em tramitação na Câmara dos Deputados e precisa ser aprovada para que o acesso à água seja incluído dentre os direitos fundamentais dos brasileiros e brasileiras.
Mas já é muito importante ver o Brasil assumindo compromissos internacionais, com resgate da credibilidade perdida nos últimos quatro anos. Finalmente nosso país volta ao cenário internacional com agendas estratégicas. Agora, é imperativo que o governo brasileiro assuma a água como elemento fundamental para o desenvolvimento socioeconômico e ambiental, além de, com a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, promover a gestão da água de forma transversal e integradora. Temos o enorme desafio de proporcionar a justiça climática e a inclusão hídrica, universalizar o saneamento básico e recuperar a qualidade da água dos rios e mananciais.
PublicidadeComo ressaltou António Guterres, secretário-geral da ONU, ao fim do encontro, o futuro da humanidade depende de o mundo traçar um novo rumo para gerir e conservar a água de maneira sustentável. Porém, como deixou claro o relatório-síntese lançado recentemente pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU), já temos as tecnologias e recursos financeiros para cortar 50% das emissões até 2030 e contornar os efeitos das mudanças climáticas – que afeta a biodiversidade, a saúde, a produção de alimentos e, também, a água. A questão, agora, é inteiramente política.
No Brasil, a integração das políticas públicas de clima, meio ambiente, recursos hídricos e saneamento depende de empenho e de mudanças político-administrativas para que a gestão da água seja implementada de forma efetiva. O desenho do novo governo e seu arranjo institucional precisam refletir essa urgente necessidade de integração.
O mais recente relatório da qualidade da água das bacias hidrográficas da Mata Atlântica aponta que apenas 6,9% dos rios monitorados no bioma têm qualidade de água boa – 75% é regular e 18,1%, ruim e péssima. Esse retrato mostra que a contaminação e a precária condição dos rios e mananciais potencializam as crises, a escassez de água boa e os conflitos por uso da água no país.
Os rios brasileiros são enquadrados em classes de água de acordo com os usos preponderantes atuais e futuros da água em cada bacia hidrográfica. E podemos afirmar com certeza que não há futuro sustentável para bacias com rios de classe 4, ou seja, poluídos.
Essa classificação praticamente não tem restrições para o lançamento de poluentes e, dessa forma, condena o rio a se manter com águas impróprias, sem condições de uso. O problema não se limita às áreas urbanas, por poluição proveniente de esgotos sem tratamento ou com baixa eficiência. Nas zonas rurais é imperativo restringir o uso de agrotóxicos e fertilizantes em áreas de mananciais e recuperar as faixas de preservação permanente.
A gestão e a governança da água impõem respeito e atenção a todas as dimensões desse escasso e essencial recurso natural, sobretudo aos valores imateriais, de saúde, ecossistêmicos e socioeconômicos. Estamos empenhados nessa causa e na defesa das políticas públicas que têm como princípios a gestão integrada e participativa da água. É mais do que urgente preservarmos, como bem descreveu Guterres durante a conferência da ONU, “o bem comum global mais precioso da humanidade”. Falar de água é tratar da vida de forma inclusiva e olhar com cuidado para o nosso próprio futuro.
* Malu Ribeiro, jornalista, e Gustavo Veronesi, geógrafo, são, respectivamente, diretora de Políticas Públicas e coordenador da causa Água Limpa na Fundação SOS Mata Atlântica.
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