Diversos candidatos eleitos no último dia 15 de novembro em diferentes cidades do Brasil foram alvo de ofensas e ameaças de morte. Um desses casos envolve o vereador eleito Alisson Júlio (Novo-SC), de Joinville.
Alisson, que é cadeirante, passou a receber ameaças de morte após defender a colega vereadora Ana Lúcia Martins (PT-SC) de intimidações machistas e racistas que vinha sofrendo. “Eu nunca tinha sofrido preconceitos e ameaças tão fortes como essas”, disse o vereador, que vai exercer seu primeiro mandato.
“As pessoas com deficiência e todos os grupos de minorias precisam mostrar que existem e o Estado precisa exercer essas funções que o ambiente coorporativo e político demandam. Já é mais que comprovado que quanto mais diverso for o ambiente, mais lucrativo e com melhor desempenho ele se torna”, diz.
Prefeita de Bauru
A prefeita eleita de Bauru, Suéllen Rosin (Patriotas – SP), também foi alvo de ataques. “As palavras foram muito pesadas. Elas doem, com certeza, mas não podemos deixar de lutar contra a discriminação e o ódio”, disse ao Congresso em Foco.
Leia também
“Tudo começou com algumas mensagens racistas no meu Whatsapp pessoal relacionando a minha cor com a capacidade de governar, ou não, a cidade”. Dias depois, Suéllen estava recebendo ameaças de morte por e-mail.
O Brasil registra, em média, um ato de violência política a cada quatro dias. É o que aponta o levantamento realizado pelas ONGs de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global. Desde janeiro de 2016 a setembro deste ano, foram registrados 125 assassinatos e atentados, 85 ameaças, 33 agressões, 59 ofensas, 21 invasões e 4 casos de prisão ou tentativa de detenção de agentes políticos.
Os atos violentos têm sido uma prática disseminada para representantes de diferentes siglas e em todas as regiões do país. A jornalista Suéllen Rosim, eleita com 55,98% dos votos válidos, é Evangélica, palestrante e faz trabalhos com publicidade, além de ser cantora gospel. O partido a qual ela é filiada – o Patriota, partido de direita que se define como “moralmente conservador, economicamente defensor do livre-mercado e confessionalmente cristão”.
Em uma das mensagens recebidas por ela, o autor diz: “Bauru não merecia ter essa prefeita de cor com cara de favelada comandando nossa cidade. A senzala estará no poder nos próximos quatro anos”. Em outra mensagem, a prefeita recebe ameaça de morte, semelhante às notas recebidas pela vereadora mais votada de Belo Horizonte, Duda Salabert, filiada ao partido de centro-esquerda PDT. Em ambas as mensagens o intimidador diz: “Eu juro, mas eu juro que vou comprar uma pistola 9mm no Morro do Engenho, aqui no Rio de Janeiro e vou te matar”.
Suéllen diz que ser mulher e negra traz um peso a mais, tanto em seu mandato quanto no momento de ser humilhada. “Eu tenho uma responsabilidade muito grande de representar essas pessoas e também de mostrar a dor que elas sofrem. Eu sou só mais uma vítima do racismo no Brasil. Ele existe e mata. Nós precisamos trabalhar para combatê-lo”, relata.
Mais votada em BH
A vereadora Duda Salabert, que é uma mulher trans, disse que sempre sofreu preconceitos dentro e fora da vida pública. Professora de literatura, ela conta que as chantagens aumentaram consideravelmente após as eleições.
“Vou esperar as aulas presenciais voltarem, vou invadir uma sala de aula do Bernoulli e vou matar todas as vadias, todos os negros (que infelizmente serão bem poucos, 1 ou 2 cotistas) e depois vou te matar”, dizia um texto enviado a Duda.
> Pelo menos quatro candidatos eleitos em 2020 foram ameaçados de morte
“Eu interpreto esses atos como terrorismo psicológicos e tentativas de silenciamento. A escola onde eu trabalho também recebeu as mesmas mensagens, logo, eles querem me intimidar e fazer com que eu seja demitida”, explica a vereadora que classifica toda essa agressão como um atentado à democracia. “Se eu não posso exercer o meu mandato, quer dizer que as 107 mil pessoas que votaram em mim não podem ter sua representante no poder. Isso precisa acabar”.
Para a vereadora é função do Estado garantir a proteção e o livre exercício dos mandatos de cada uma das pessoas que foram eleitas, independentemente de gênero, classe, orientação sexual ou condição física.
Em 2017 foram mapeados 19 assassinatos e atentados contra a vida e pessoas do governo. Ainda que tenha sofrido uma pequena queda em 2018 (17 registros), o número de atos violentos saltou para 32 em 2019 e o presente ano, até o início do mês, contabiliza já 27 casos.
Caso Marielle
O caso de violência política de maior destaque na história recente do Brasil é o assassinato de Marielle Franco, que completa mil dias nesta terça-feira (08). Embora dois ex-policiais militares suspeitos de matar Marielle estejam na prisão, eles ainda não foram julgados e o caso continua rodeado de incógnitas.
Outros políticos também sofreram recentemente com a violência política no país e precisaram deixar o Brasil, como é o caso dos deputados Jean Wyllys e Márcia Tiburi.
“Não é somente um caso de transfobia, LGBTfobia ou racismo, é um plano de estratégico que impede que pessoas como nós ocupem esses espaços de poder”, diz Duda Salabert.
Roberta Oliveira foi assessora de Marielle Franco até o seu assassinato. Em conversa com o Congresso em Foco ela disse que as eleições de 2020 tiveram candidaturas minoritárias expressivas. “Eu avalio que este período eleitoral trouxe respostas simbólicas e muito assertivas sobre a força desses movimentos e de uma repolitização do debate sobre as políticas municipais”, disse a advogada.
> O novo mapa do poder municipal
> Projeto quer permitir importação de vacinas mesmo sem autorização da Anvisa
Thaís Rodrigues é repórter do Programa de Diversidade nas Redações realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo, com o apoio do Google News Initiative.