Há alguns dias, mostramos aqui no Congresso em Foco os questionamentos sobre a representatividade do grupo de trabalho criado para discutir na Câmara a reforma tributária. Para além da sub-representatividade de mulheres e negros, a matéria destacava também a falta de representantes do Sul do país. Há quem possa julgar que são questões menores. Não são. Qualquer mudança tributária vai afetar de alguma forma o bolso das pessoas, em um país de maioria feminina e negra. Portanto… No caso da falta de representantes do Sul do país, a questão já é outra. E faz com que nos bastidores da reforma no Congresso uma guerra já esteja sendo declarada. Literalmente, uma guerra fiscal.
Veja o comentário em vídeo:
Há três deputados do Amazonas. Dois da região Nordeste. Regiões que ao longo do tempo foram muito beneficiadas com a criação de regimes fiscais diferenciados e de subsídios. Tais políticas tiveram seu lado benéfico. Hoje, a economia brasileira é bem mais descentralizada, com diversos centros industriais espalhados pelo país e não mais concentrados somente em São Paulo como acontecia até pelo menos a década de 1970. Mas, por outro lado, a aceleração desse processo gerou uma tremenda desorganização. A chamada guerra fiscal, com estados e municípios conferindo isenção tributária para atrair negócios.
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No curso das discussões agora, já se movimentam os grupos. Alguns argumentam que a reforma poderia ser a oportunidade da criação de uma regra fiscal mais clara e unitária, que conferisse, assim, uma maior previsibilidade. Na qual a decisão sobre a instalação ou não de uma fábrica em determinado estado viesse a ser tomada a partir de questões logísticas, e não por conta de algum tipo de subsídio temporário que acaba em algum momento e, ao final, pode afugentar o investimento. Outros, porém, trabalham para tentar manter as vantagens tributárias que adquiriram ao longo do tempo.
Os grupos de pressão de um lado e de outro trabalham e visitam os integrantes da comissão, que fez a sua primeira reunião formal na quarta-feira (1).
Dentro da guerra fiscal maior, há outras batalhas em curso. Uma delas, por exemplo, diz respeito às apostas que as montadoras de veículos fazem com relação a redução de emissão de carbono nos seus veículos. Algumas montadoras apostam na produção dos veículos híbridos, que rodam a partir de uma associação de motor à combustão com motor elétrico. No caso, os motores à combustão já são “flex”, ou seja, funcionam tanto com gasolina quanto com etanol. E há outros investimentos que apostam no carro totalmente elétrico.
Quem aposta no carro híbrido argumenta que ele seria mais adequado à realidade brasileira. O Brasil é um país de oito milhões de quilômetros quadrados, de matriz eminentemente rodoviária. A rodovia Belém-Brasília, por exemplo, tem dois mil quilômetros. Os carros híbridos têm muito maior autonomia, até maior que a dos carros movidos somente a gasolina ou etanol. E o abastecimento em um posto leva somente alguns minutos. Um carro elétrico tem uma autonomia de menos de 300 quilômetros. E recarregar leva algumas horas. Isso levando em conta que o motorista encontre na longa Belém-Brasília pontos para recarregar o seu carro.
Quem aposta no carro elétrico, porém, acha que isso será somente uma questão de adaptação. Logo haverá maior estrutura de reabastecimento. Os carros, hoje ainda caros, deverão ficar mais baratos. E é por esse caminho que diversas nações estão orientando seus planos de redução menor de carbono.
Há outras questões ambientais em jogo. Há quem argumente que os carros totalmente elétricos vão gerar um problema ambiental maior no futuro. Ao final da vida útil das baterias, como será feito o descarte delas. E, como elas são muito caras, não vale a pena comprar nova bateria e ficar com o carro. Ou seja, ao final o carro também será descartado. E enquanto houver geração de energia termelétrica, onde se usar tal tecnologia o abastecimento de um carro elétrico não vai gerar necessariamente energia limpa.
Enfim, diversas discussões. Mas onde elas entram na guerra fiscal em curso na reforma tributária? Entram justamente na questão de incentivos fiscais em determinadas regiões. A empresa chinesa BYD planeja se instalar na Bahia, na plataforma da cidade de Camaçari, onde antes funcionava a fábrica da Ford. Para produzir carros 100% elétricos. Se hoje a Ford concluiu que não vinha valendo a pena continuar a produzir automóveis no Brasil, quando ela se instalou em Camaçari foi porque o governo baiano lhe concedeu incentivos fiscais. Tanto que a montadora saiu devendo R$ 2,5 bilhões ao governo da Bahia por esses benefícios.
A batalha surda que já começou nos bastidores da guerra fiscal da reforma tributária envolve exatamente essa possibilidade de vinda da BYD. Ela virá obtendo os mesmos incentivos fiscais que eram dados à Ford? Se isso acontecer, outras montadoras reclamam que ficarão no prejuízo. E argumentam que o país continuará sem uma solução tributária única para o país inteiro.
Mas o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, é do PT. E seu antecessor, Rui Costa, também era do PT. E é hoje o ministro da Casa Civil. E o líder do governo no Senado, além de ser do PT, é baiano, Jaques Wagner. E há outras políticas de incentivos fiscais em outras regiões e estados. Que deverão movimentar parlamentares na discussão da reforma tributária.
Essa é a guerra que já começou. A guerra fiscal, que tem na instalação da BYD na Bahia com ou sem incentivos fiscais a primeira batalha.
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